O que faz a bebida. Bruno Contralouco, Clóvis
Baixo e Carlinhos Adeva sentados em mesa na calçada do botequim no Beco do
Oitavo às cinco e meia da manhã. De noite atravessada, meio que levantados do
chão, os dois primeiros resolveram apostar cem reais para ver quem tinha mais
sorte com mulher.
O Rei Bruno disse que
aceitou o desafio porque o súdito boboca Clóvis é seu amigo do peito, não
perderia tempo com outros palhaços. Como marcador de mulheres o Dr. Carlinhos
Adeva, o Diretor Jurídico do Partido dos Boêmios (em constituição), num fogo
danado mas circunspecto como se estivesse num tribunal, causa importante.
Saíram lá da sinuca quando
estourou, e o Portuga acenou que queria fechar o bar, vou-me a dormir um
pouco, ó gajos. Vai dormir, Portugalino, disse o Bruno, mas deixa uma mesa lá
fora e um monte de cervejas com gelo no isopor. Dito e feito, o Portuga fez e
se mandou. Por via das dúvidas, para o caso de faltar combustível, deixou uma
cópia da chave do bar com o Bruno.
A aposta lá fora consistia
no seguinte: as mulheres que vierem de lá do lado da Rua da Olaria são
minhas, as que vierem de cá da Avenida são tuas, disse o Contra. Minhas e tuas em
pensamento, né. Coisa de bêbados.
O Clóvis Baixo encrencou,
não mesmo, as que vierem de lá são minhas, as de cá são tuas. O Contra topou
sem reclamar. Serviram-se de cerveja, acenderam cigarros e ficaram esperando.
Logo apareceu uma senhora de
uns 75 anos, cem quilos, passeando com uma cachorrinha, vinda do lado de lá, o
do Clóvis. O Clóvis Baixo argumentou: tá meio passada mas é linda, deve ter
muita experiência em cama. O Contra se apertou, mão na boca, ventando pelo
nariz, para não rir alto.
O juiz Carlinhos anotou.
Mais um tempinho e veio uma boneca de cá, com sangue na roupa branca, do lado
do Contra, atirando beijinhos para todos. O Bruno disse é linda, e sabe mais
que muita mulher. Foi a vez do Baixo se dobrar quieto.
E começou a aumentar o
trânsito, de lá, de cá, dezenas de mulheres indo para o batente, Carlinhos numa
água federal mal dando conta de tomar nota. Até às seis e meia da manhã vindas
pelo lado a favor do Contra umas trinta, pelo lado do Baixo umas setenta - em
direção à avenida João Pessoa o fluxo é maior ao amanhecer, ao anoitecer
inverte.
Como estamos aí na
pontuação? – Perguntou o Baixo ao Carlinhos.
- Empatados.
Resolveram só mais uma para
cada lado, primeiras que aparecessem, para resolver a parada.
Mal encheram os copos e
surgiu lá adiante, pelo lado esquerdo, da avenida para cá, pelo lado do Contra,
aquele monumento vivo. A baiana que ainda não pintou no bar mas todos já sabem
que ela existe. Ela não caminha, esvoaçoa, ginga sorridente com aqueles panos
coloridos, como se ondas do mar a embalassem, o bairro inteiro está apaixonado, quando pintar no botequim será a rainha.
- Não vale, tá desfeito o
trato! Como a do meu lado ainda não veio posso desfazer! – gritou o Baixo
aborrecido.
O Bruno não respondeu, pelo
rosto os amigos sentiram que acabou a brincadeira, ficou sereno. Levantou-se tranquilo, sério
– e todos ficaram sérios - e esperou a passagem da mulher.
Quando ela estava em
cima ele tirou o chapéu, inclinou a cabeça enquanto gingando estendia a mão
direita com o chapéu, como a dizer a calçada é tua... o bairro é teu, é teu o
meu coração.
Ela sorriu e sorriu e
sorriu, olhos brilhando.
O Clóvis gritou quando ela
ia lá adiante:
- Quero ser padrinho!
Ela se voltou e sorriu de
novo. O Bruno falou aos amigos:
- Vou dar uma abridinha no
bar, preciso de um uísque, esta cerveja está choca.
- Por que não foi atrás,
acompanhar a guria, Bruno? - Perguntou Carlinhos.
- Porque eu nunca fico
bêbado, vejo o outro lado da rua.
-o0o-
(A imagem, meramente ilustrativa em exaltação a sua beleza, é da cantora baiana Mariella Santiago, querida amiga)
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(A imagem, meramente ilustrativa em exaltação a sua beleza, é da cantora baiana Mariella Santiago, querida amiga)
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