viernes, 13 de abril de 2018

Tábua de mútua salvação

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Saí da minha rua, a Octavio Correa, subi a Olaria e caí na Av. Venâncio Aires, ainda nos limites da Cidade Baixa de Porto Alegre. Ia ver um negócio de grana, tava duro, sem cigarros e sem bebida em casa.

Levei uma hora, parando a todo momento, papo com comerciantes menores, lixeiros, as molecas que se viram, os viados, os catadores... em direção a uma loja de conveniência no posto da João Pessoa com a Venâncio, ver o saldo bancário, lá tem um troço de caixa eletrônico sem sacanagem. Sem sacanagem até aquele momento, convém examinar antes de enfiar o cartão.

Sacanagem é o preço da cerveja e de tudo o que aqueles filhos da puta vendem, não compro nada lá, salvo em horas de desespero. Bom, cheguei lá, meti o cartão, digitei a senha da CEF me-da-cu e saiu o papelzinho: R$ 0,45, nada de me dá, eu que tomei no cu.

Tou fodido e mal pago, e agora? Voltei cabisbaixo pela Venâncio, pensando seriamente em assaltar aquela merda de agência do BB lá na Azenha. Ia passando no puteiro 305 da Venâncio e uma mulher me atacou:

- Tu é o Bukowski da Cidade Baixa, né?

Pobre do Bukowski, vitimado por tal comparação.

- Depende, gringa, para pagar ou receber?

- Não, li um conto teu uma vez, se chama Brisa.

- Hummm, é, fui eu que cometi. Tu se vira nesse cabaré aí?

- Tou me virando, sim. Vamos tomar uma cerveja, queria conversar contigo, aquele conto me emocionou, meu pai era trabalhador de levar saco nas costas... Sou a Maria da Lua. Se tu puder, né, não quero incomodar, teus compromissos, literatura...

- Saí sem dinheiro, Lunera, se não iria com amor e carinho junto contigo, tu é linda e gostosa, nunca vi mulher mais bonita, amo peitão grande assim... Tu gosta de tudo?

- Gosto de tudo. Mas não se preocupe, eu tenho dinheiro, vamos, vai...

- Topa tudo mesmo?

- Tudo.

Gostei dela. Tive uma abobada que topava tudo com qualquer um, até chupar dentro de carro, atrás de árvore, e me dizia que topava só comigo.

- Qual é a tua tarinha?

- Ai, muitas, tudinho, amo vela quente pingando e dupla penetração, mas tem mais...

- Tarada, eu amo ménage. Tu tem alguma amiga de fé?

- Tenho.

- Pegadeira boa?

- Bota boa nisso. Vou combinar com ela, se tu quiser. E tu, tem namorada?

- Não tenho mais.

- Por quê? Tu tá bonitão.

- Essas mulheres são tudo cheias de preconceito, cansei, deixa pra lá.

- To falando contigo há poucos minutos e sabe de uma coisa: gostei de ti, cara.

- Tá, eu também gostei de ti, então vamos de mão tomar uma cerveja lá na Olaria, longe da tua viração?

- Tem um cara lá na Olaria que anda me perseguindo, eu era muito nova e me dominou, não deixava eu estudar. Agora que tou na PUC voltou a incomodar. Se ele falar comigo não se meta, não vale a pena, deixa que eu resolvo.

- O que faz na PUC?

- Direito. Um dia vou ser delegada, pegar todos os colas-finas que sempre ficam impunes.

- Oba, siga dedicada nos estudos, vai dar tudo certo.

- Tu é o primeiro que me diz isso, todo mundo diz que depois, por dinheiro ou de medo, entro pro esquema e só prendo pobre.

- É assim mas não é bem assim, tem pessoas boas lá. Lembrei de uma coisa, antes vamos dar uma passadinha no meu covil, pra mim me vestir decente, sapato, calça, camisa e paletó.

- Vai pegar arma, né, por causa do cara que falei antes?

- Vou, e não fale nada. E tem outra: não estou sem dinheiro aqui, por estar de tênis e bermuda, na verdade ando morto e a corvada em roda, tem nada em casa, tou sem nenhum, nem pro cigarro.

- Oba, então arranjei um gigolô armado. Tenho dez mil no banco e vou tomar mais desses palhaços que vem ao cabaré, por serviços prestados. Sinto que tu me pagará em dobro, de um jeito ou de outro.

Guria corajosa e inteligente. Peguei na mão dela, cruzamos os dedos, torcendo, quentes, bem felizes, e saímos andando pela avenida. Noite linda em Porto Alegre, tomara que chova mais tarde.
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