jueves, 26 de abril de 2018

O liso do Manga

.

Amigos, estou arrasado. Desconfio que sou alcoólatra, hoje mesmo irei me inscrever ali no AAA no anexo da Igreja Sagrada Família, na Rua José do Patrô. Se é que ainda existe. Explico.

Há mais de trinta dias, talvez uns quarenta, não bebo um gole de nada. Só água, suco de uva com água, suco de laranja, essas porcarias que fazem mal à saúde. Pois nesta madrugada, além do pesadelo onde os boches tinham vindo me dar uma coercitiva por crime de opinião - ofendeu o juiz Tio Sam que não sabe falar inglês e muito menos português, quando acabei numa cela de dois por dois cheia de ratos, também tive um sonho, este baseado em fatos.

Eu tinha 22 anos incompletos, 21 e meio, e morava de favor num quartinho que um amigo me cedeu num apê da Rua Francisco Ferrer, ali perto do Hospital de Clínicas. O Luís Fernando Carvalho morava sozinho com a sua mãe, não lhe custou me dar abrigo por alguns dias, eu evitando ao máximo incomodar, jamais fiz refeição com eles - não por falta de convite, comia na rua, procurava ser invisível, grato pelo catre que me disponibilizaram no quartinho que seria o da empregada se a tivessem.

Procurando emprego, disposto a não voltar para a putaria, nas horas vagas ficava zanzando pelo bairro, comecinho de Petrópolis, arrastando a asa para as domésticas - as moças finórias mal me olhavam, a roupa era gasta, feia, creio que também me achavam muito magro, sentiam o bolso vazio, sei lá, não gostavam de mim.

Não demorou, o destino se atravessou e fiz amizade com o dono da mercearia quase na esquina com a Av. Protásio Alves, ia passando quando fedeu lá dentro, senti o drama, o assaltante saiu correndo e o peguei na saída, meti o braço no cara. Sem querer ganhei o velho. Grana e mercadorias recuperadas, a PM levou o ladrão. A convite do seu J passei a frequentar o lugar. Tomava um liso de pinga às bicadinhas e deu.

De jeito nenhum ele aceitava pagamento, na hora de ir embora ia até a porta com o braço por cima de mim. É aquele negócio, o diabo sabe mais por velho do que por diabo, ele bateu os olhos em mim e sentiu que eu era um guri bom (naquela época ainda era) e andava numa eme danada, oferecia comida, que nunca aceitei para não abusar, ali eu já sabia que a gente sobrevive legal comendo um ovo por dia.

Foi lá que conheci o seu Manga, então goleiro do Internacional, ele morava ali por perto. Eu colorado até morrer. Já contei esta história da amizade com o Manga. Um sujeito de não muitas palavras, divertido, com muito mundo, para se ter uma ideia é o atleta brasileiro com mais participações na Libertadores de América em todos os tempos. Para falar com ele eu tinha que olhar para cima, e olha que eu tinha um metro e oitenta. Não ficava até tarde, sabia que tinha treino no dia seguinte, jamais o vi bêbado, nem “tocado”, o índio era forte. Aparecia somente quando por alguns dias não haveria jogos.

Aqui importa dizer que ele ficava com um lisão de pinga atrás da balança, o liso regularmente abastecido pelo seu J, que era amigo e admirador do grande goleiro. Conversa vai, conversa vem, em pé na frente do balcão, subitamente ele metia a mão, e que mão, sem exagero dava cinco da minha, lá atrás da balança, pegava o lisão e taiaiau, ia tudo numa sentada. Eu ficava arrepiado de ver, se eu fizesse aquilo morreria, ou no mínimo me afogaria.

Pois o sonho desta madrugada foi esse, eu "via" o Manga dando o tirambaço no liso alto, pá, fundo branco. Acordei com um ardume na garganta.

Às 10h, há pouco, não resisti, servi um lisinho e imitei o seu Manga. Entrou tudo, estremeci, logo me deu uma tonturinha e um calorão, cheguei até a me enganar pensando que sou feliz.

(Hoje, 26 de abril, Manga completa 81 anos. Última notícia que tenho é que mora em Salinas, no Equador. Saúde e paz ao Manguita, glória do desporto nacional, ó Internacional que eu vivo a exaltar. Ele é mesmo internacional. Feliz Aniversário!)
.

No hay comentarios.:

Publicar un comentario