martes, 28 de marzo de 2017

ATROPELADO

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Hoje li que a Prefeitura está processando um partido político por este ter obstruído na justiça o aumento das passagens de ônibus, o partido obrando em favor da população, abstraindo a luta política. A justiça tempos depois deu razão à Prefeitura, que agora quer que o partido indenize as empresas de ônibus pelo que deixaram de cobrar durante o tempo da obstrução.

Por vezes a leitura de jornais me recorda cada passagem da vida..., sem nenhum nexo com o caso noticiado, às vezes por uma palavra, por uma situação, que embora completamente diversa me remete para outra. Algo como falar da Jurema e lembrar da Walquíria, que em comum eram apenas boas de cama. Aconteceu há algumas décadas.

Saí do Parque da Redenção, comecei a atravessar a Av. João Pessoa pensando em entrar na Rua Alberto Torres e fui atropelado. Saltei para um lado mas o filho da puta me pegou, me quebrou uma perna ao passar por cima, fora as escoriações e a lesão na cabeça ao cair, bati no asfalto e perdi os sentidos, até chegar o socorro passaram-se mais de trinta minutos.

Hora do rush, o sujeito vinha corrido e me pegou já enfiando o pé no freio, e logo outro bateu atrás dele, e outro no outro, no fim uns vinte carros avariados, foi uma confusão, trancou o trânsito por quarteirões, foi um "daqueles dias" para todo mundo.

Lá atrás vinha uma ambulância com um velho pela sete, os minutos que perdeu no congestionamento ocasionaram a morte do paciente, conforme atestaram os médicos da Santa Casa.

Soube depois que ali no ato ninguém quis pagar nada nem discutir danos materiais com ninguém. No dia seguinte sim, começaram a se mexer com seguradoras e advogados. As seguradoras como sempre querendo tirar o seu, e os advogados querendo botar no dos outros.

A família do velho me processou, afirmando levianamente que eu bêbado tinha atravessado o sinal fechado, ocasionando a tranqueira que matou o seu familiar, e à Prefeitura por ter demorado a limpar a área e não ter caminho de escape naquela reta.

Eu processei o motorista, que era também o dono do carro que me atropelou, alegando que o sinal estava aberto para mim, já por tabela o responsabilizando pela morte do velho.

Por sua vez o motorista me processou por danos materiais, e a seguradora acompanhou o argumento: eu atravessei o sinal fechado. Os demais processaram uns aos outros.

A imprensa deu grande destaque ao engarrafamento que entrou para a história da cidade, descobriram que atravessei o Parque vindo do Bar João da Av. Osvaldo Aranha, tinha passado a tarde jogando sinuca e tomando umas e outras por lá, insinuando que eu estava bêbado. Nunca tinham me visto beber, para dizer uma bobagem dessas, ora bêbado.

Na boca do povo eu era o vilão da história. Até um prefeito, um riquinho borra-botas da ditadura, andou falando mal de mim. Muito tempo depois, quando eles não esperavam mais, acertei as contas pessoais com o prefeiteco e com o jornaleco que tinha me chamado de irresponsável.

O negócio ficou enrolado por um tempão, mais de trinta partes interessadas, chegou um momento em que pensei em processar o velho que morreu, não tinha nada que ter morrido, só complicou as coisas.

Até que um dia, tomando trago no Beco do Oitavo com a turma, junto o boêmio Pedrão Causídico, o meu advogado, de repente ele ficou olhando para a parede, sem nada ver, viajou. Eu disse acorda, meu, é a tua vez de pedir as cervejas.

Ele se voltou com os olhos brilhando, murmurando "A sinaleira..." Que sinaleira, meu?

- Amanhã vou pedir perícia no farol!

O serviço de manutenção dos faróis era terceirizado ou concedido, só sei que a Prefeitura objetou de todas as formas, tentando impedir a perícia legal, por alguma razão queria tirar da estaca o concessionário ou terceirizado. Não adiantou. Pedida a perícia ele pegou uns uns três caras e saíram pelo bairro à procura de testemunhas. Em um mês achou seis.

O farol estava com defeito naquele dia, teve gente que viu. A perícia confirmou que componentes haviam sido trocados. Eles repeliram argumentando que a manutenção é normal, mas a justa foi nos controles da empresa de manutenção e estava lá: conserto naquela noite, e esbarraram nas testemunhas. De quebra, especialistas afirmaram que aquele tipo de equipamento poderia ter falhas intermitentes.

Ninguém tinha culpa. A cidade era a responsável, tenha sido caso fortuito ou falha humana, algo impossível de determinar naquelas alturas. Nesses casos, toda a comunidade arca com o prejuízo. A Prefeitura, representando os munícipes, pagou todos os danos.

Ali eu já tinha pago as despesas médicas em três prestações, estava de perna boa e cheio de mulher. A grana das medicinas, dos lucros cessantes e outros penduricalhos entrou no meu bolso limpinha, com o que fiquei uma semana pagando cervejas para a turma, além de alcançar algum para o Pedrão.
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