Trocando
impressões com a amiga bonairense Norma Leticia López, a propósito do horror da tortura por
regimes ditatoriais, ponderei que na Argentina muitos foram condenados, até
generais, enquanto que no Brasil permanecem - os ainda vivos, pois muitos já
morreram - todos impunes. Ela respondeu:
- Sí.
Aunque todavía faltan los civiles.
Com
efeito, o ovo da serpente em todas as ditaduras da América sempre foi civil. As
elites empresariais – industriais, latifundiários, escravocratas, etc. -
unem-se para golpear o estado de direito que não lhes convém, negando ao povo
qualquer evolução humana e econômica. Querem escravos, não concidadãos. Os
militares são manipulados para os protegerem de revoltosos, sempre os há. Não
raro os militares, já distantes da função única e primordial de defender a
pátria de agressões externas, galgados de empregados do povo a reis-ditadores,
tomam gosto pela nova função e o pau pega, passando por cima de qualquer senso
mínimo de justiça.
No
caso da América do Sul, sempre com o dedo do império que cobiça e vive das
nossas riquezas.
Bem,
isto qualquer colegial sabe. Queria dizer outra coisa.
Certa
vez em Porto Alegre alguns amigos e eu esperamos pelo Dia de Finados para
abrirmos umas garrafas de champanhe guardadas há muitos anos, para amargamente
comemorarmos a condenação à prisão perpétua de um dos maiores assassinos
da ditadura argentina, o capitão Alfredo Astiz, o "anjo loiro da
morte". Aqui não tínhamos justiça a comemorar, então nos unimos em alma
aos irmãos argentinos, para purgar o sofrimento na exposição pública dos seus
crimes.
Aquele
indivíduo com alguns traços que lembram um ser humano sequestrou e matou, entre
tantos, ao jornalista, escritor e dramaturgo Rodolfo Walsh, que
então contava com 50 anos e não conseguia se conformar com a situação em seu
país (para além da perda de sua filha Maria Victória, de 26 anos, em
enfrentamento com os carniceiros), no dia seguinte à divulgação de sua Carta Abierta de un
Escritor a la Junta Militar. O sociopata amava ferir pessoas indefesas, mas
ao primeiro tiro rendeu-se covardemente aos ingleses na Guerra das Malvinas.
Há
quem afirme que essa grotesca figura assassinou Francisco Tenório Cerqueira
Júnior, pianista que acompanhava Vinícius e Toquinho em shows em Buenos Aires,
e que no dia 18 de março de 1976 saiu do hotel para comprar um remédio e nunca
mais voltou. Foi torturado por nove dias, e quando constataram que não tinha
envolvimento político, que foi engano ou maldosa denúncia, possivelmente o tinham confundido com
outro brasileiro, o mataram com um tiro na cabeça.
A
ilustração do rosto do torturador é do artista uruguaio Alfredo Sábat,
argentino por adoção.
Enquanto
isso, no Brasil, depois de tantos anos, ainda temos o terrível desprazer de
assistirmos, em rede nacional de tevê, um indivíduo da mesma laia exaltando um
dos maiores torturadores brasileiros, ao tempo em que propunha mais um golpe,
agora branco, nas barbas da nossa cega e cúmplice "Justiça".
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