viernes, 30 de mayo de 2014

Papos de botequeiros sem ter mais o que fazer

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- Estou pensando em me matar. Preciso levar um lero urgente com o tal de Deus, disse Clóvis Baixo.

Para um início de noite de sexta-feira, a turma aperitivando em mesas espalhadas abaixo da marquise defronte ao bar, o assunto foi recebido com risinhos. Wilson Schu, que separava as carnes na mesinha do assador, disse com ar divertido:

- Mas o que é tão importante que não pode esperar mais uns trinta anos, Baixo?

- Seguinte: eu jogo na Loto desde o século passado, talvez desde que o governo inventou essa porra. E nunca nada. Nunca! Certa vez consegui fazer um terninho, deu 27 pilas, mas isso porque comprei o cartão pronto de um cego. Os meus números, nada, nunquinhas. Ora, que a divindade me perdoe, tenha a santa paciência, assim não dá, cansa.

- Ganha quem aposta altas somas de dinheiro, Baixo, grande número de cartões, é matemática, lembra de Análise Combinatória? As probabilidades, malandro, isso de sorte é para iludir os otários como nós. Vez que outra, de dez em dez anos, surge uma cozinheira baiana que pegou sozinha, e isso só serve para incentivar os miseráveis a seguir entregando os trocos para os milionários -, disse Carlinhos Adeva, que além de advogado é um grande calculista. - Como sabem, Direito e Matemática são ciências irmãs, disso eu entendo, eles cravam no rabo do povo usando as duas.

- Se eu pego um cara desses... -, disse o Contralouco.

- Desses quem? - perguntou Ain Cruz Alta.

- Do governo, ora - respondeu o Contra. - Por tabela os milionários, quem vocês pensam que colocam os viados dos governantes lá? O povo? Não me façam rir.

- Vai ter que pegar muita gente... - disse Silvana Maresia.

- Que eu saiba Matemática é irmã da Filosofia, disse o filósofo Aristarco de Serraria.

- Irmã de todo mundo, pronto - falou Carlinhos.

Clóvis Baixo seca a sua caipirinha de vodka, pede outra, e prossegue:

- Vocês sabem que sou crente, nestas alturas acho que fui, eu cria, ou eu cri. Mas estou achando que o senhor Deus fez o mundo - não me perguntem como - e se atirou nas cordas.

- Papo bem cri-cri, disse Ain.

- Quando falar com Ele, não esqueça de perguntar sobre a matança pelo mundo - disse Zilá.

- E onde está o Amarildo - arrematou Cícero do Pinho.

- Nada de cri, assim que é bom, de repente tu cai no inferno, meu chapa, me disseram que lá é muito melhor, tem festa, trago, e cada diabona, tudo pelada... aquelas sim, ajoelham e já vão rezando, eu quando for para o beleléu já vou chegar avisando ao Capeta: cai fora, meu, fique lá no teu canto com as diabas velhas, as menores de 50 agora vão mudar de dono. Vou tomar o lugar daquele guampudo... já no céu as anjas não são de nada, tudo frígida, cheias de nove horas, rezinhas pelos cantos, vai por mim - disse o Contralouco.

Até as mulheres não contêm o riso.

O velho Walter Schiru, que hoje deu o ar da graça, entorna sua dyabla verde e toma a palavra:

- Deus gosta mesmo é dos políticos, lembram, né?, aquele deputado que acertou duzentas e tantas vezes na loteria. É isso aí: antes a gente tem que roubar do orçamento nacional, depois esquenta o capim jogando na loteria, simples assim. Muito tempo atrás também teve um prefeito de Santos que era abençoado.

- Esquenta o capim? – perguntou Cícero do Pinho, ainda novinho nessas gírias.

- Lava a grana, meu, as verdes - explicou Jucão da Maresia.

- Tá, mas diz aí, Baixo, para quando programaste o suicídio? - diz Jussara do Moscão, provocativa.

- Bem, não é pra já, antes tenho que terminar uns servicinhos. Só aqui no bairro tem umas cinquenta tiangas que não, bem, ainda não namorei. Imaginem na cidade inteira. E preciso repetir a dose com as que já frequentei, o negócio começa a ficar bom a partir da segunda vez.

- Mas não vai pegar os milionários e os caras do governo? - espantou-se o Contralouco.

- São muitos, não daria tempo, prefiro um papo com o cara que fez esses bichos, responde o Clóvis.

- Bem, pelo que entendi Deus não tem o que fazer, pode esperar pra te levar pro andar de baixo, disse Tigran Gdanski.

- Se eu pego um cara desses, disse o Contralouco.

- Quem, Contra, Deus? - ataca novamente a profa Ain.

- Deus não, Deus me livre, mas os seus serafins, querubins, enfim, os aspones, essa catrefa que só coça o saco.

O botequim desaba em gargalhadas. Wilson Schu se encaminha ao tonel no meio da rua, vai deitar os espetos. Cícero do Pinho tira o violão da capa, Chupim da Tristeza também desencapa o seu pandeiro, o cavaquinho ainda não chegou.


Na curva da esquina do Beco da Fonte apontam Luciano Peregrino e Lorildo de Guajuviras. No outro lado surgem a doutora Jezebel do Cpers e Nicolau Gaiola, o teatrólogo insone. A noite promete.
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