lunes, 26 de mayo de 2014

Morrendo em São Paulo (1/4)

.

Meu nome é Francisco del Rio Silveira, não esqueça isso, menino, nasci em Iraí e de lá saí com nove anos de idade, já sabendo atravessar o rio Uruguay nadando de costas, e vi, vivi, ninguém me disse, não esqueça... 

Desmaiei ou deu um branco. Passou a letargia.

Agora estou numa chácara nas cercanias de Montevideo, e os espero, a eles, que estão me caçando, podem surgir a qualquer momento. Olho em torno e peço ao moço que me ajude a chegar no mato, não convém ficar na casa, ele me ajuda e vamos. No mato fico, tenho somente dois tiros na Magnum, estou morto se eles chegarem. Fique aqui também, muchacho, não volte lá de jeito nenhum, como é o teu nome? 

Pablo -, responde timidamente.

Certo, Pablo, tu é um anjinho, um santo. Vamos ficar quietos aqui, não se levante.


Confio que os meus cheguem antes. O ferimento não é tão grave assim, fiz torniquete com o cinto do grandalhão que ficou sem nuca na vicinal, acertei-o na boca de baixo para cima, seus miolos foram parar em Punta Del Este, onde pretendo pegar um dos reis cearenses. Vai ver Seven-Eleven. Para me matarem terá de ser em São Paulo. Eu quero voltar a São Paulo, murmuro nervoso. O rapazola uruguaio que me achou no meio da estrada, e conseguiu um telefone, diz: "San Pablo?", aceno com a cabeça dizendo que sim mas agora não, agora fico aqui. Ele queria buscar socorro, não mesmo. Um bom guri, hei de recompensá-lo, sem estragar a sua vida, sem tirá-lo do seu mundo. Enquanto espero, repasso os acontecimentos, ainda não entendi tudo.



No tempo da onça havia uma loja, chamada Casas Pernambucanas. Na verdade muitas lojas, em todas as cidades do Brasil, que antecederam os vampiros dos xópins. Outro dia dou os nomes dos donos dos xópins, tudo político com grana roubada, se o povo souber sai quebrando tudo, mas alguns seguirão frequentando xópins, burrice não tem limite. Fodam-se, que dêem a bunda para o Corinthians, que morram esses dejetos.



Não os nomes dos donos das lojinhas de xópins, esses não são donos de nada, são apenas os filhos da puta que pagam um alto percentual do faturamento para o Tesso Jerê e seus amigos, ah, para os donos, os vampiros. A Pernas Bacanas não é deste tempo, é de outro, quando vendia panos para o povo que amava doar o sangue e o hímen de suas filhas para os bichos sugadores, bichos que perto do que veio depois... as Pernambucanas era uma espécie de Silvio Santos, o jacaré Abravanel, ou um pastor de jatinho, ou Faustão cuzão, algo assim, se fazendo de amigo da massa. Afasto a idéia, meu íntimo reclama, pula esta parte, me dá nos nervos e me embrulha o estômago, acaba saindo palavrões que me ferem os ouvidos e me fazem sentir leviano, inverte, o cara ruim passo a ser eu e não as hienas de quem falo. Não sou como eles.



Casas Pernambucanas: "Quem bate? É o friooo.... Não adianta bater, que eu não deixo você entrar...". E dê-lhe a vender cobertores ao povinho. Era uma boa loja, perto do que veio depois.



Trouxe-me lembranças. Lembro-me de tudo, agora dá para contar sem me meter em briga de canalhas da escuridão, de ladrões de cemitérios, antes não dava, não por medinho - meu Deus, preciso apertar mais, o sangramento vazou, não quero perder a perna -, mas para não ser injusto, os outros não conheci. Imaginei, e imaginação deixa assim, e tinha filhas para cuidar. Agora posso, pois estou no meio da tempestade, raios cruzando, um me pegou a perna, outro o ombro de raspão, eles são numerosos, mas vou matá-los, um por um.



Certa vez em São Paulo, num ótimo hotel da Cerqueira César, de 4 estrelas, na época tinha essa frescura de estrelas, uma fraude, pertinho da Consolação, eu e uma turma de mais dez a trabalho lá nos hospedamos. O trabalho era foda, responsa e tudo, grave, num bancão de agiotagem da Paulista, um dos maiores bancos, ou grande áfrica do Sistema Financeiro Nacional, pior que traficante de armas e órgãos humanos, de crianças de preferência, órgãos mais frescos, já viram como os amo. Eu vi, né.



E eu de chefinho de um monte de caras, eu o mais novo, chefe porque era meio tantã ou outra coisa ruim. Loco de atar não era. Aí que chegamos de bando no domingo à noite, em vôo noturno pela Gol, quem sabe Varig devorada que nem o osso restou, comemos merda no avião, sanduíches no hotel, dormimos, uns se masturbaram lá nos seus quartos, não é da nossa conta, eu telefonei para uma mulher, e na segunda-feira fomos à luta.



Fiz reunião com os mafiosos do banco, os colegas juntos, não sou bobo de ficar sozinho com eles, meus colegas de bico fechado, eram minhas testemunhas, numa sala que mais parecia o Memorial da América Latina, um andar inteiro, no palco eu e eles, os paulistas frios, seguros de si, valentes, patriotas, os mais burros tentando ser alegres. Não sabiam com quem começavam a lidar, eu ouvindo quieto suas mentiras, calmo, ponderado. Só rindo. Depois da hipocrisia, pedi salas e telefones, não iríamos usar os telefones deles, pedi para pensarem que. Grampo puro. 



Já sozinhos nas salas que nos deram, nomeei o nosso encarregado de conseguir café, indiquei onde meus camaradas trabalhariam, o que deveriam olhar e tal. Para mim separei a parte ruim, onde o nego precisa ter sangue-frio congelado, e incomodei-me, sorrindo com ar de besta, já ao começar a olhar os títulos de crédito dos caras: de dez bilhões no mínimo cinco eram falsos. Fiquei frio, mas um luzeiro se acendeu no cérebro. Os meus colegas eram bons, logo um também achou um pedrão no meio do caminho, ai, ai, ai. Tudo em silêncio, nada de os funcionários deles, leva e trás documentos, perceberem. Para conversar perigos eu os convidava para sair, passear e tomar um café na Rua Augusta.



Primeiro dia. Às 4 da tarde eu seguia atencioso, agora pedindo arquivos de tudo, inclusive do dono, mandei abrirem o cofre da sala privativa do chefão, não queriam, este é particular, mas engrossei, particular deixa em casa, e abriram, e isso foi fatal. Ao sair, às 5, o senhor diretor me disse que o donão de tudo, do Brasil, queria falar comigo no dia seguinte. Também quero, respondi. 



À noite pizzaria na Consolação. Os viados da pizzaria não tinham mostarda, um colega insistiu, a gente paga, não tem bar aberto onde possa buscar? O garçom, a um olhar do italiano proprietário da birosca, engrossou, disse que era coisa de gaúcho, homem que é homem não estraga a pizza com mostarda ou kétichup, e cuspiu na pizza. Errei. vi a cobra mandada, mas levantei e meti a mão na cara dele, estraguei a pizza, paulista filho da puta, gaúcho come churrasco, não essa merda bailando em azeite fedorento. E peguei a pizza e enfiei-lhe metade na goela, o insolente resistiu e dei de novo, ali me machuquei e ele desmaiou. 



Deu um rebu. Errei, e voltei para o hotel com a mão muito machucada, a pegada foi forte, o infeliz não morreu mas quase, foi para uma UTI. Uma incomodação danada depois, não sei o que me deu, poderia pegá-los depois, a solas. Saí da delegacia, acusado de tentativa de assassinato de um modesto trabalhador que vestia a camisa do Corinthians. Nojento, deveria tê-lo matado, mas  algo não fechava, no táxi para o hotel resolvi passar pela pizzaria, vi o dono lá dentro de papo com o mesmo sujeito que tinha visto antes, de longe no aeroporto, na entrada do hotel e no outro lado da Paulista. Eu e meus olhos castanhos, como não ver o bicho.



Apaguei quase tudo, devo estar ficando louco. Liguei para Porto Alegre pedindo uma arma de trinta tecos e munição. - Hoje mesmo estará no hotel, me responderam. 



Cheguei no hotel e no hall dei de cara com a herdeira das Casas Pernambucanas. Não acreditei no que vi.


*

No hay comentarios.:

Publicar un comentario