viernes, 2 de mayo de 2014

Dedo na ferida (sem filosofia, no duro)

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Hoje li umas cem exaltações ao Airton Senna. Nada tenho contra o falecido. Sempre ouvi muita coisa sobre o que representou, e algo me diz que ele sabia, era inteligente e não boboca como os imbecis roteiristas da Globo, nem todos. Eu (o Eu já me parece soberba, mas no meu caso não: o eu é como homem do povo, com consciência de que não sou melhor que ninguém, nem pior), não gosto dessa gente.

Para mim nada representou o gritedo de empurrar goela abaixo, vindo de quem nos rouba, não me comoveu, isto que sou um chorão inveterado, e novamente insisto nada ter contra o cidadão Aírton, o artista do volante de máquinas trilegais morto, como a nenhum famoso de berço bom, tudo na mão. São instrumentos, não são eles que nos roubam. Para cada milhão dado ao gladiador, as aves de mau agouro, de rapina, as ervas daninhas, levam milhares de milhões.

Com o corredor Aírton cheguei a ter grande simpatia, que mantenho, embora ele tenha virado pó por estas e outras da vida: não era dos caras que amam espelho, era sério, um ricaço consciente, neste aspecto avis rara. A grandeza que tinha não residia no fato de ser um hábil motorista rico. Creio que o povo viu isso. Então, se fosse boxeador, ou lateral-direito, teria mostrado a cara, e a alma, igual.

Minha mana me telefonou de Bolonha, na Itália, terra do seu marido, quando ele morreu naquele acidente. Era começo de maio, mas estava um solão em Porto Alegre. Saí do quarto meio tonto, o telefone na sala não parava de gritar. Dez da manhã, meio-dia ou duas da tarde, não sei, atendi e ela dizia morreu, morreu, morreu, e eu de pronto despertei: quem, quem? Assustado, tinha sonhado no dia anterior um sonho ruim com meu primo do Mato Grosso, avis rara, este eu sabia de certeza que era. Agora, logo vai passar no Brasil, agora, estou vendo na tevê italiana, pelo choque morreu, foi muito forte, o socorro está indo atender, mas morreu, morreu, morreu, o Senna, Antônio!

Acalme-se, minha irmã, agora!, e caiu a ligação.

Depois a entendi, deve ser muito ruim a gente em terra estranha ver um conterrâneo morrer sem que a gente possa ajudar. Aqui pode, somos assim, eu no lugar dela também ficaria arrasado.

Fiquei arrasado aqui, pela sua voz e pela morte, qualquer morte me deixa abalado, meu Deus, só vou a cemitério na obrigação, é preciso. Botei um bolero, pedi para as mulheres levantarem, vamos brindar a um ídolo do povo, amadas. Logo elas ligaram a tevê e disseram que não era certa a morte. Mas a mana viu, sabia.

Eu botei outro bolero e disse para as visitas: vou comprar carne para o churrasco. Como estava nu, quase que saio assim, vesti um calção, pequei a carteira e saí sem camisa e de pés descalços para o açougue ao lado, ali na Rua Formosa, elas ficaram lá ansiosas. Saí do apartamento ouvindo as vozes desagradáveis da tevê misturadas com as lindas vozes do grupo musical cantando Reloj, no marques las horas..., do bolero. E o início de choro reprimido das moças. Ao ouvir os chorinhos senti vontade de ser surdo.


Açougue e mercearia. Foi no dia em que procuravam o acertador no jogo do bicho de uma semana atrás, era eu que estava viajando, no número 731. Fiquei feliz. Dez mil, recebi um saco de notas pequenas e muitos cheques de terceiros de um banco de traficantes lá na esquina dos donos de tudo, perto da Paineira. Eu odiava os bancos, e naquela vez tirei o chapéu, os revoltados se organizavam, têm até banco. Não gostei depois, pois ficam iguais aos que combatiam: se transformam em criminosos, como o meu PT acabou fazendo depois, mas isto já é misturar tempos e histórias. É outra história.

Na volta enrusti a grana e depois, enquanto espetava as carnes no pátio, pedi que elas se vestissem e fizessem salada com as batatas que trouxe, ovos tem na geladeira. Trouxe champanhe também. De cervejas a geladeira estava cheia. Embaixo da pia havia 30 garrafas de vinhos, de sede ou fome hoje aqui ninguém morre.


Todas jururu, aí tive que dizer algo, aquela tristeza iria me sufocar, e disse: ouçam, gurias, ele morreu porque queria morrer, enojado de tudo. Poderia ter ido para o seu castelo, com servos, mulheres, mas preferiu se expor, era inteligente demais, queria morrer por ter visto o falso mundo em que vivemos. Diferentemente de outros, que não suportam ficar longe de aplausos de gentes sem tino nem desatino. E acabou ali a conversa.

Então lamento, mas discordo do que se diz. Caba da Peste outro dia lembrou um antigo dito: "Infeliz o país que precisa de heróis", algo assim. Pois é.

Desde que cresci, tinha uns 15 anos, detesto heróis. Pura falsidade. Brigam, roubam, brocham. Ou broxam, os dicionaristas ainda estão pensando. Por mim que briguem ou broxem, o roubo é que me incomoda.

Foi quando vi, aos 15, que depende do berço, pois tive amigos gênios que morreram à míngua pelo berço, ou melhor, pela sua falta. Ora, herói, dirigindo auto, preparado para isso, recebendo vultosos honorários em certo paisínho da Europa para evitar impostos no Brasil, país de alta carga tributária em tese dirigida a melhorar a vida do povo? Autos que os gênios da periferia só podem ver pela Globo, na voz do fazendeiro "Ui, vai Robinho..., vai que é tua Taffarel", aquele merda. Para dirigir um auto, só roubando um fuca, na calada ou na mão grande.

Neste país, até Ronaldão é ídolo. Por jogar futebol é autorizado a dizer besteiras depois que parou. Grande jogador de bola, está feliz? Cala a boca, então, seu lixinho analfabeto, vai pra casa gozar a fortuna. Mas não, os bandidos os buscam e eles vão, rindo, achando que são importantes. Para um povinho cego, são. Mas, cá entre nós, eu morreria de vergonha. São tão desgraçados que não se apercebem da própria pequenez. Sou o cara... E por vaidade, e dinheiro, este nunca é demais, brilham os seus olhinhos de ratos, voltam a foder o povinho inculto. Convertem-se até em legisladores.

Foda-se Aírton Senna. Não a pessoa, acho que era um ótimo cara, mas o que fazem da sua memória... 


Preferiria que o lembrassem como a um irmão, como um maragatinho, que acendessem velas, no silêncio dos sentimentos, sem foguetes de mentira.

Tem até Fundação, onde os ricaços descontam em dobro as esmolas que "dão", do imposto de renda, do nosso.

Fodam-se.

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