miércoles, 9 de abril de 2014

Um gato para Carlos Heitor Cony

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Perdi o sono por causa do Gatolino. O pobrezinho tem a mania de ir para a sacada admirar o movimento na avenida, aqui do sétimo andar a vista é boa, as luzes dos carros, as batidas com motoqueiros, o berreiro dos bêbedos que saem do cabaré ao lado, as quase mortes de madrugada, os urros dos leões-de-chácara quando saem para matar, as buzinas, os gritos lancinantes dos carros fechados ao dispararem o alarme sozinhos. Uma beleza.

Ele olha a avenida com tristeza, nunca sorri (se o cachorro do Coberto Ralos da lágrima de pingo falso sorri, com aquela de meu cachorro me sorriu latindo, porque Gatolino não haveria de sorrir?), isso me preocupou. Bich, bich, vem cá, Gatolino, ele veio. Por que, meu querido, falei já dando um carinho nas barbelas, nunca sei o nome, mas se fosse galo é a parte do seu corpo abaixo da orelha, bem antes do pescoço, perto do queixo, do ladinho, gato gosta de carinho ali, então por que essa tristeza, preto?

Para mim é barbela, embora ele não a tenha nem deste nem do outro lado da cara. Barbada, jacaré: se eu sustento meu gato, e tu a namorada, problema teu, eu boto barbelas se eu quiser e fim. É barbela. Certa vez, ele bem novinho ainda, inflou as barbelas, posição de tigre na calada, devagarinho, e quis pegar um bicho que passava, errou de passarinho, este era esperto, a corujinha se desviou, dançando ao passar avoando, flap, flap, olhando feio para ele, e ele no pulo desandou aqui de cima, adeus sacada, caiu com tudo, do sétimo ninguém cai em pé.

Peguei-o no ar, pelo rabo, eu, hein? Puxei-o com força, até meu peito. Perguntei: quer se matar, amado? Pelo miau que saiu, acho que o apertei muito, me disse que não. Salvei-o. No outro dia veio de novo com essa de querer cair e o peguei novamente no ar, mas desta vez olhei para baixo e o atirei de lá de cima: quer ir então vai, para ver o que é bom. Claro, mirei num galho de uma arvore que tem lá ao lado das grades, seus galhos vão até à metade do segundo andar, acertei, voou seis andares, foi descambando mas se enganchou num último galho. Desci as escadarias e o recolhi, estava que era um caco, mas depois dessa perdeu a vontade de ser gato voador.

Aí me vem o Juremil (uau, compre meus livros, compre meus livros, compre meus livros, eu sou o cara, uau!, compre meus livros, compre meus livros, compre meus livros, compre meus livros, compre meus livros, uau, uau, uau!) falar mal do Carlos Heitor. Hoje Carlos tem 88 anos. Enterrou muitos familiares, se não todos os que vieram antes, mas felizmente tem descendentes, ou descendenta, como quer a Dilminha. Foi valente com a ditadura, escritor de dedos finos, exilado a tierras extrañas, sem pegar em armas, mas foi muito mais que certos moleques que tentam se passar por herói, e escreveu grandes livros. Está com 88 anos, repito, cresci naquela de se respeitar os mais velhos que merecem respeito.

Aí pensei: Gatolino, é hoje.

Carlos amava, já na sua velhice, uma cachorrinha, sua única companheira, e chorou ao perdê-la por morte, veio o Juremil zombar do amor de um homem por sua cadela, cuspir fel em cima do desamparo alheio. Falei para o Gatolino: esse elemento vai me escutar, antes que eu coma a..., deixa pra lá, aquela deve ser um bucho.

Então, Mr. Juremil Universal, ouça-me por bem, que mal aqui não vai: a tristeza do Gatolino é porque nunca amou ninguém, não teve a oportunidade, o castraram antes. Quando o encontrei pelo mundo o mal já estava feito. Então vamos falar de sua vida cachorrinha.

(segue)
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