jueves, 30 de enero de 2014

Enforcando Gilmar


Festa no botequim ontem à noite. Luciano Peregrino enviou fotos para o correio eletrônico de Leilinha. Ele bem belo, sentado em cadeirinha de praia no entardecer de uma praia catarinense. Com uma negra no colo, na primeira foto. Nas seguintes ambos em pé, ele e a negra, rindo, felizes, depois com os funcionários do hotel à beira-mar.

- Isso era o que eu temia, depois de dois anos com Dolores Sierra viciou em espanholas, olhem, imagine a mulher de saia, essa escultura, aumente aí... olhos verdes... -, disse Marquito Açafrão pedindo à Leila para expandir as fotografias.

- Nega tem até na Alemanha, vai saber onde achou, basta lembrar a outra, espanhola de nascimento, na verdade alemoa - disse Silvana Maresia, com a concordância de Jussara e Jezebel, que apostaram em alemoa no buquimequi sobre a etnia da próxima namorada do Luciano, que quando rompeu com Dolores de Barcelona saiu porta afora dizendo que ia sumir do mapa. 

Pedindo perdão aos trilhões de leitores explicamos novamente: não é possível publicar a foto, que é linda, o pôr-do-sol, a negra de olhos verdes, feliz, o sorriso do Luciano, o garçom alegre elevando uma taça, as bebidinhas, o imenso mar azul logo atrás, o Atlântico em seu melhor momento, como escreveu no recado... pela simples razão de que o nome, que chamamos de sobrenome, do Luciano não é peregrino. Peregrino é apelido, por passar a vida peregrinando pelas camas das mulheres dos políticos e "grandes" empresários, essa gente que não trepa e descarrega as energias prejudicando seus semelhantes, roubar é o meio que têm de despejar o leite retido, na tentativa de compensar a falta de amor sincero, nunca ajudam a ninguém sem descontar do imposto de renda. E são vingativos, se declinássemos o nome verdadeiro do companheiro o colocaríamos em perigo. Ufa, tem que explicar tudo.

- Com aquele pretume e o nome de Luena acho difícil ser alemoa - disse o negão Chupim da Tristeza, ao que sua mulher Zilá riu.

- Pára tudo. Vocês olharam para a negra? Olhem de novo. O brilho dos olhos. Depois olhem a cara dele, o brilho... Acho que desta vez se enforca - disse Lorildo de Guajuviras.

- Tomara, ninguém aguenta mais, o loco só deixa a gente nervosa, sinto medo de políticos, gente muito ruim... Tomara que se acerte, pela cara ela é gente fina - desabafou Jezebel.

- Quem vê cara não vê coração, vai saber, vai que seja divorciada com cinco filhos, o Luciano é campeão em arranjar bronca assim, não pode ver china no cio, bonita, que se aprochega - lembrou Wilson Schu. 

- Queria saber de onde o Luciano tirou grana para ir para essa maravilha de praia, sai os olhos da cara, antes de desaparecer ele disse que estava falido - lembrou Tigran Gdanski, o famoso Mão de Vaca.

Os boêmios trocaram impressões por longo tempo, foi o assunto do ano. Mas ao fim se conformaram, o Bruno Contralouco ganhou o buquimequi, este que estava quietinho, mas que acabou reclamando que mais seis foram por ele, não mereciam a grana.  

A Luena é angolana. De Lubango. Eta mundinho pequeno: da terra do nosso Miquirina Segundo, ex-guerrilheiro, sobrevivente e aqui afamiliado. 

Entra no boteco o Clóvis Baixo cantando alto: "Fui comer uma nega lá em Barrafunda, atraquei nas coxas e saiu na bunda...". A doutora Jezebel do Cpers arregala os olhos e o interrompe, exclamando: - Mas tu não bate bem, Baixo! Bagaceira, não vê que tem pessoas estranhas lá no fundo, um casal de namorados!". 

Clóvis sorri e diz: - Ah, tá, desculpe, linda senhora, ainda bem que o moço nem achou graça... 

O rapaz da mesa do fundo se finava de rir, a menina ria de cabeça abaixada. Só o jeito do Baixo já dá vontade de rir. 

Alguém assovia comprido lá fora e o Contralouco sai em disparada, quase derrubando a porta do botequim. O pessoal fica alarmado. Gustavo Moscão sai atrás.

Voltam em cinco minutos. Gustavo diz: - Não era nada, o Negrote se enganou. 

Negrote é o velhinho sem teto que cuida as costas do Contra, e avisa quando algum inimigo pinta no Beco do Oitavo.

Pelo rosto a turma sente a decepção do Contralouco. Ele toma meio liso de losninha, a dyabla, depois suspira, botando a raiva para fora, e diz: - O Negrote está muito velho, agora deu de se enganar!

O assovio aquele, fininho e longo, é para o caso de aparecer um pastor de religião de tomar grana dos coitados ou um gerente de banco. Compreende-se a decepção do Bruno Contralouco, que já quebrou a cara de uns cem desses. Não podemos nos meter em assuntos que outros homens resolvem, mas, cá entre nós, é um absurdo proibir pessoas como o Feliciano Galinha Louca ou o senhor gerente do Itaú de transitar pela via, que é pública. Bem, proibir o Contralouco nunca proibiu, mas eles que aguentem, ah, deixa para lá, não é da nossa conta.

E com essa o Contra saiu da mesa. Abaixo do balcão do bar pegou uma sacola grande. Foi para uma mesa do fundo, longe dos boêmios que estavam com cinco mesas juntas, e abriu, tirando um monte de cordas. E ficou lá, quieto, fazendo e desfazendo nós.

Anteontem Aristarco de Serraria, como aqui se disse, propôs enforcar nobres juízes e parlamentares, após ou junto à destruição do Conúbio Nacional em Brasília. O enforcamento sobrou para o Contra, que se escalou como verdugo. Boêmios em bar falam tudo de brincadeira, sei lá, bebem, ninguém lembrava mais do assunto.

O tadinho se pôs a treinar, um nó para o salão verde, a depender dos móveis, outro para o banheiro, outro para o senhor aquele do salão Alagoas, outro se for preciso no corredor. Cada nó tem que ser perfeito, para não judiar. E não parava de sair corda da sacola.

A turma seguiu de papo, bebidas, Jezebel cantou um samba, ai Agora é Cinza, tudo acabado e nada mais. O menino Mateus do Pinho solou Aio-iô, cantando baixinho ...eu nasci pra sofrer, foi oiá pra você, meu zoinho, fechou, iiiiiii, quando o zóio eu abri... quis gritar, quis fugir... 

Aplausos. 

Até que entra no botequim o diretor jurídico do Partido dos Boêmios, Carlinhos Adeva, e vê o Contralouco lá no fundo, sozinho, naquela enrolação, diz: 

- Bah, meu, essa aí já vi em filme.

O Contra levanta os olhos, inocente, e responde com doçura na voz: 

- Já tou bom em nó, meu Carlinhos, faço o carioca, o de âncora, cadeirinha de bombeiro, catau, boca de lobo e mais um monte, só não sei o górdio, mas este ninguém sabe. Mas o quente é este, o de forca, olhe, sete voltas em torno da própria corda, é humanitário, indolor, na queda o nó gira para cima e adeus à nuca do bandido, é para a praça pública. Com este vou pegar os grandudos. Os políticos e juízes me darão muito prazer, mas quero mesmo é pegar os donos de banco.

Os vinte boêmios e boêmias riem com espalhafato. Carlinhos, o deus que o protege em processos e em esclarecimentos em delegacias, fica parado vendo as mãos do Bruno se agitarem nas cordas grossas, fazendo e desmanchando o nó para a praça, as cordas dançando em velocidade.

- Carlinhos, o primeiro vai ser o Gilmar.

Gilmar é um quadrilheiro do Mato Grosso que se instalou na Cidade Baixa, comete um crime atrás do outro, a polícia o protege.

Riem todos, mas Carlinhos não ri. Num dia o Contralouco tem 90 anos, no outro parece ter 12, o problema é que tem dias em que ninguém sabe com que idade está, também não se sabe quando brinca ou fala sério.

Mas, por amá-lo, Carlinhos conhece os perigos que rondam os seus olhos castanhos.

João da Noite, o Conciliador, futuro prefeito de Porto Alegre, faz falta.

(...)


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