martes, 19 de noviembre de 2013

Chegando na Nega Lú

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Depois de algumas horas muito agradáveis no Chalé da Praça XV, entro no prédio onde mora uma das minhas mulheres. No corredor encontro o vizinho que pratica tiro, com cada espingardão, meninos... mas ele é doce, calmão, gente fina. Ele e sua senhora. Buenas noches, compañero, señora, digo baixando a cabeça e tocando de leve com as pontas dos dedos no chapéu. Buenas, tchê amigo, bom te ver feliz, ele responde. Já dentro de casa vejo bilhete para o caso de chegares antes de mim. A Luciana saiu, foi no seu Juraci, seu pai, mas não demora, deixou um número que já tenho.

Guardo no frizer os dois quilos de anjo que trouxe do Mercado Público, amanhã tapo de pimenta e pimentão e tomate e cebola e coentro e alecrim e salsa, humm... vinho branco, seco da silva, no baratil da esquina tem de garrafão, marca diabo mas trilegal. Como é muito, para mim e minha tianga, talvez leve metade para aquele vizinho e a sua mulher, de parar na porta sem entrar, eu trouxe uma panelinha pra ti e tua família, compañero, carreguei na pimenta mas está muito tri, é só fazer um arroz branco e fecha todas, se não tiver vinho te trago em seguida. Gente fina, o vizinho.

Meu Deus, a cada vez que entro no Mercado Público uma música me assombra, parece que os vejo, Alcides e Lupicínio, e o placo-placo dos tamancos da morena que passa. Será que a minha avó sabia da profundidade da frase Pergunte aos meus tamancos? Sabia sim, pena não tê-la conhecido. Mas andei por lá, bebi, brinquei com a turma da peixaria, já entrei dizendo que todo gremista é puto, só tem gremista ali, com duas exceções. Uma festa, depois abraços em todos, eu amo aquela turma, e eles piram já ao me ver de longe, ficam preparando algo. Os velhos da peixaria, antigos como só, me gostam porque morei alguns anos com as netas deles, cinco, uma de cada vez, bem, mais ou menos. Quando me abraçam dizem que ela até hoje chora, pobrezinha, ora se meter logo contigo, maninho guri, palavras que saiem doídas, logo me esmagam em abraço, quase choram. O maninho guri sou eu, com 1,85m e 86 Kg. Soube que o Juraci, o velhinho da banca do canto, não anda bem, faltou de novo. Amanhã o visitarei em casa, no Arquipélago, soube que pretende se mudar mas creio que ainda está na Ilha da Pintada.


Chego em casa alegrão pelos chopes e de veia boa por ter convivido com tantos amigos queridos no Mercado Público, mais tarde no Chalé, alguns vieram de muito longe para bebermos juntos, aos meus 45 anos iniciados ao bater da meia-noite anterior, e cometo a besteira. Como dizia o eterno poeta dos gaúchos, seu Jaime Caetano Braun: "Fui chegando, de curioso, Que o vício é que nem sarnoso, nunca pára, nem se ajeita."

Não tinha nada que mexer no que estava quieto. E baile de gente direita eu sabia que não era, guardando o de pronto para depois.

Após dez anos desde a última vez, ligo a televisão, para tirar a temperatura. Ouvi plim-plim e de pronto me surgiu um elemento repugnante, o noticiarista ou sei lá como chamam a esses caras atuamente, pau-mandado, com uma cara de... mal comida e mal lavada, dessa fruta eu gosto, ui, e Lú é limpinha. Parece turco, mas é nazi, na segunda frase que pronunciou deu para perceber que Herr Goebbels fez história. Fui ao banheiro.

Eu que não brinco nem facilito, de lá ouvi fragmentos de propagandas risíveis, riria não fosse o amargor que invadiu meu coração, dignas de um Olivetto, espero que o valentão não queira me dar um kung-fu, aqui é mais embaixo, mucho más, ui-ui amado. Bundão. Essa gente não entende. Não acreditei nos ouvidos quando anunciaram José Soares para logo mais, com aquele programinha copiado dos americanos, para a classe média de R$ 191 por mês, aqui cresceu um bicho dentro de mim. Achei que tinha morrido o infeliz, mas não, novamente vai-se vangloriar diante dos bugres por ter nascido em berço de ouro, falar muitas línguas, dar palestras para corruptos, exibir-se deslealmente por falta de honestidade intelectual, embora não tenha aprendido a bater as suas banhas no bongô. E fazer propaganda obrigatória dos empregados do seu patrão. O bicho queria sair pela minha garganta, já era maior do que eu. Não fica nem vermelho, esse gordo pau murcho, e por associação simples de idéias o pensamento virou para o cantor perneta e otários não biografados da vida, aos terroristas da Folha, aos... a perna não é nada, acontece a qualquer um, o diabo são os neurônios de ganãncia, ora vão à..., não, não vou me irritar.

Retorno e assisto o esgoto que se derrama da tela colorida. Não vou perder a calma, eu, hein? Sou calmo, malandro, e sei me controlar, perdi a conta de matagais de mulheres onde entrei, festejei, beijei, mamei e me acabei dançando em tempestuosos mares de todas as cores. Fecho os olhos, vem o rio vermelho da memória, desce sangue na cor, é quente, recordo dos punhais que tive de pegar temeroso, os bichos humanos iriam me matar, e os enterrei em carótidas e corações para me salvar.

Fiz-me famoso por isso, o controle emocional é muito importante. Importante porra nenhuma, bicho sem nervos acaba aporrinhando botecos, maltratando fumantes e não fumantes, corrigindo a linguagem, ahn..., o senhor não passa, Mr. Ronaldão, de um velho putão, pá, prisão na hora, atentado à dignidade humana. Se falar em travecão, pior ainda. Nada, tem que dizer amantes de bi terceira ordem, com amor de dedicação, apesar daquele bundão branco com os pelões pretos arrepiados de emoção na hora de levar por trás, fedido lá pelado levando vara e uns tapas para arder, apanha, cadela, para ir à escola, para desaprender de roubar, depois vai beber o leite.

Besteira, ora controle emocional. Só acerto quando faço “bobagem”, foram as bobajadas que me engrandeceram. Só não sou “O Cara”, ah, não, nem mandei fazer filminhos vulgares sobre a minha vida..., sobre a minha vida, epa, um filminho seria muito pouco e faltariam baldes para as lágrimas, lágrimas diferentes das provocadas em coitados pelo mau gosto do “cineasta” comprado com o nosso. Não mesmo, meninos. Na guerra que se trava, surda, é preciso ter vergonha, e peito, pois eles vêm com PhDs comprados, rio ao pensar nisso. São uns bostas mesmo, guris. Mas estupram as tuas filhas, ó operário, terminam o serviço começado pelo galinheiro da globo, Ó damas do oráculo, comi umas cem daquelas, tudo fútil, larga e aguada, como dizia o castelhano Orguim para expressar que, se dependesse da vontade das senhoritas, melhor seria cultuar Onan, aí desisti e amarrei uma morena do Caminho do Meio, aqui, outra no Rio Comprido, e ainda outra no bairro Argélia, este que um dia derrubará aquele prédio da Av. Paulista, quando todos os avisos forem olvidados e o ferro e o sangue entrarem quentes. E uma catarina, é verdade, ali no Centro quem desce do teatro Álvaro de Carvalho, para quem voltarei um dia, para ela, não ao teatro, neste iremos juntos sempre, a dez pilas, promoção amada de pessoas de amor de Floripa, das atrizes, atores e diretores e cenógrafos e todo mundo, depois muitos chopes na descida, ah, que vida boa.

Embolei-me, muitas moças, demais para a minha bolinha, puro trauma por não ter tido namorada na infância, elas não amavam pobres de dinheiros, e meus ferinos olhos não me ajudaram, não viram.

Ai, meu Deus, estou me passando, cadê a minha paciência, falando assim afasto os crentes deles... Calmo agora. Olhar de águia, sério, ram, sem mover um músculo do rosto. Assovio, fiu.

Que diabos que Luciana não chega, é meia-noite e trinta e o lixo segue falando.

A voz chata lá do fundo cresce, à medida que decido ouvi-la. É o cara de turco.

Na terceira distorção dos fatos o bicho me dribla, foge e esfrega-se nos meus olhos, na cabeça, rabo ainda no meu estômago, corpo agitando-se na goela, fico cego de raiva. Saio do apartamento e toco a campainha daquele vizinho. Boa noite, e sem tirar meus olhos verdes dos seus azuis explico a grave situação, a urgência. Ele não hesita e me empresta aquela grandona de cano duplo. Gente fina, esse meu vizinho. Da Luciana, mas meu também.

Voltamos, eu e o bicho que agora se remexe com mais violência dentro de mim, aperta meus olhos, dói, arde, lacrimejo, vejo por umas frestinhas, e miro bem no meio, bem no meio não, dou um desconto pelo soco da arma, evito o golpe de freio que dá na boca de bobos que pensam que sabem tudo, é mais embaixo, para acertar no peito miro nos bagos, aperto os dois gatilhos e ela se desfaz em pedaços de mentiras, a cadela velha com seus cadelinhos, deve ter sobrado para aquele gordo lá no camarim, uma tormenta de raiva despenca sobre os estúdios da vênus platinada. Minh’alma se eleva, caio de joelhos na sala.

Ufa, agora nunca mais, madame, deu para ti. Torno a respirar fundo. O bicho sossega. Pego o champanhe que guardei para quando morresse Mr. Vinte por Cento da ditadura. Amanhã compro outro em reposição, pois meu nobre gesto não pode passar em branco, requer comemoração. Berro no apartamento, um urro: Te matei, bandida! Ouço vozes no corredor, o vizinho acalma as pessoas, não, não foi na Luciana, esse homem jamais faria isso, deixa quieto, vão para dentro.

Plou e a rolha bate no teto. Ah, molho a palavra, delícia. Agradeço ao bicho que me habita, já que antes o alimentei agora dou-lhe bebida, bebe, bicho raivoso! Tintim.

A Luciana entra linda, sacudindo uma sombrinha vermelha, choveu de leve em Porto Alegre, eu já em pé na sala. Lembro de tirar o chapéu. Pula feliz no meu pescoço, me enrodilha, me volta à memória a voz do poeta quando estremeço diante "Daquele corpo moreno, Sentia o mundo pequeno, Bombeando cheio de enlevo, Dois olhos, flores de trevo, Com respingos de sereno", me beija, acarinha meus cabelos de mãos enfiadas. 

Depois olha o estrago, ainda pregada em mim, apertou mais. Sobrou muito pouco daquilo que um dia foi um televisor. O que houve, meu amor? Nada, nega, essa porcaria explodiu. Ela bate os olhos na espingarda em pé ao lado do sofá e diz: bem que fez, meu Luciano querido, venho há anos esperando por isso, deixa eu te beijar de novo.

Não largo dessa chinoca por nada, acho que vou trazer todos os cacos, que são livros e discos, como ela pede há cinco anos sem dizer uma palavra, mas com o brilho dos seus olhos pretos de índia e negra e branca em luzes, pois achei a "estrela chirua, dessas, que se banha nua, no espelho das aguadas".

Boto rodar a sinfonia concertante, a 364, viola e violino.

Logo darei uma espiada no feicebuc, hoje fiz amizades em Belo Horizonte, pessoas lidas, valentes. A ver. Aproveitarei para perguntar pelo meu verde América.

Andava com vontade de matar uns filhos da puta, mas passou. Ah, Luciana, só tu mesmo, estava bom o banho? Vem deitar, vem, tira essa toalha.


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