domingo, 1 de septiembre de 2013

Fausto Wolff

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Papo de velho, ladrão e intermediário

O sujeito já passava da meia-idade. Era um velho boa-pinta que descobrira isso há pouco tempo e tentava agir de conseqüência, mas algumas coisas traíam o tempo que carregava nas costas. Não que isso tivesse importância para ele nem que pudesse surpreendê-lo em atitude geriátrica. Esquecer de puxar o zíper das calças, por exemplo. Julgar que o último pingo havia desaparecido na privada, mas não... esperara pacientemente pra decolar nas calças e ainda convidara alguns primos e amigos.

De qualquer modo, não era um cara ranzinza. Quando queria uma informação, aproximava-se da pessoa e perguntava em voz clara, pois era meio surdo, e a pessoa: "Não precisa berrar que eu não sou surdo". Assim ia levando sua vidinha, sempre de short e camisa sem gola, pois trabalhava em casa e, pensava ele, sempre podia pedir a grana que lhe deviam pelos dez anos que passara no exterior, voltando com quase 40 para trabalhar na grande imprensa à época, O Pasquim.

Sua mulher lhe dissera que precisava fazer alguma coisa e ele respondia que faria esta coisa quando ficasse velho, embora soubesse que já estava velho. Era jornalista e escrevia uma crônica diária para seu jornal. Usava o computador como se ele fosse a Olivetti que o acompanhou por quase 50 anos. Não ousava mexer em qualquer tecla com a qual não tivesse muita intimidade, com medo de que o mundo explodisse ou o computador derretesse na sua cara.

Uma vez por semana seu neto de oito anos passava por lá e dava uma geral no dinossauro, como o chamava. Com exceção dos políticos, dos banqueiros, dos latifundiários, dos publicitários das novelas de TV, dos pastores eletrônicos, gostava de quase tudo, menos dos robôs que falam ao telefone.

Outro dia, esquecera-se do tempo conversando com o AP dos Santos e agora temia que não conseguiria mais falar com a bela coroa, secretária do banco.

- Quem fala? - perguntou.

Uma voz de homem respondeu:

- É o ladrão.

- Desculpe, mas eu não queria falar com o dono do banco. Dona Wilza, a gerenta, está aí?

- Deve estar com os outros reféns.

- Entendo - disse o velho. Ganham o mínimo para fazer o máximo. (Pausa) Será que não poderia dar uma palavrinha com um deles?

- Não vai dar. Estão todos amordaçados.

- Entendi. Gestão moderna. Fizeram alguma crítica e calaram a boca deles. Não tem nenhum chefe por aí?

- Claro que não! Quanta ignorância. O chefe está na sua cela, no presídio, que é o melhor lugar para se chefiar um assalto.

- O negócio é o seguinte, eu tenho uma conta aí...

- Não tem mais. Sinto muito, mas estamos levando tudo. O saldo da tua conta agora é zero.

- Não tinha muito mais do que isso. A informação que quero é sobre juros.

- Companheiro, eu sou um ladrão pé-de-chinelo. Meu negócio é pequeno, assalto a banco, vez ou outra um seqüestro. Para saber de juro é melhor tu ligar pra Brasília.

- Sei, sei. O senhor tá na informalidade, né? Também, com o preço que estão cobrando por um voto hoje em dia... Mas, será que não podia fazer um favor pra mim? É que eu atrasei o pagamento do cartão e queria saber quanto vou pagar de taxa. Meu nome é Fausto Wolff... é.... com dois efes.

- Tu tá pensando que eu tô brincando? Isso é um assalto!

- Longe de mim. Que é um assalto, eu sei perfeitamente. Mas queria saber o número preciso. Seis por cento, sete por cento?

- Eu acho que tu não tá entendendo, ô mané. Sou assaltante. Trabalho na base da intimidação e da chantagem, saca?

- Ah, já estava esperando. Vai querer vender um seguro de vida ou um título de capitalização, né?

- Não... Eu... Peraí, bacana, que hoje eu tô bonzinho e vou quebrar o teu galho. (Um minuto depois) Alô? O sujeito aqui tá dizendo que é oito por cento ao mês.

- Puxa, que incrível!

- Tu achava que era menos?

- Não, achava que era isso mesmo. Tô impressionado é que, pela primeira vez na vida, consegui obter uma informação de uma empresa prestadora de serviço, pelo telefone, em menos de meia hora e sem ouvir Pour Elise.

- Quer saber? Fui com a tua cara. Dei umas bordoadas no gerente e ele falou que vai te dar um desconto. Só vai te cobrar quatro por cento, tá ligado?

- Não acredito! E eu não vou ter que comprar nenhum produto do banco?

- Não vai ter de comprar picles. Tá acertado.

- Muito obrigado, meu senhor. Nunca fui tratado dessa...

- Ih, sujou! (tiros, gritos) A polícia!

- Polícia? Que polícia? Alô? Alô? (sinal de ocupado).

- Alô?... Droga! Maldito Estado. Sempre se intrometendo nas relações entre homens de bem!

*



Em cima, um tiquinho de nada do Fausto 
(Faustin von Wolffenbüttel, Santo Ângelo, 08/7/1940 - Rio de Janeiro, 5/9/2008), de bom-humor. De mau, sai da frente. Um dos meus raros "Meu tipo inesquecível". O conheci em duas noites, li seus livros. O abracei. Trocamos alguns esparsos e-mails. Eu caminhava pelo Alto da Bronze a uma da manhã, abatido, procurando algo - bar ou mulher ou ambos - quando Mirta Hans me deu a notícia por telefone. Desatei a chorar na hora, ai que vida. Vida e obra estão em todas as bibliotecas sérias do mundo. Poucas.



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