sábado, 31 de agosto de 2013

Lixos e livros, n'A Charge do Dias

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Nicolau Gaiola hoje está animado no bar. Apresentou-nos o seu  primo Frederico Garcia IV, que, diferentemente do espanhol que o nome sugere, é um bruto alemaozão de 1,95m e uns 120 Kg, fala mansa, pachorrento ao caminhar. Andava perdido há cinco anos com uma tianga lá para os lados da Germânia, agora está de volta à Pátria. É médico. Ao ouvir a profissão o Gustavo quase caiu da cadeira: "Se vai falar mal dos cubanos pode ir beber lá no banheiro!". Para falar assim com um homem deste tamanho só mesmo o Gustavo, o ex-boxeador da turma. Bem, tem o Contralouco... Mas, seguindo: Frederico, sereno, falou um pouquinho de si, e soubemos que é nada disso, defende os estrangeiros. Já rodou mundo, em certo tempo metido no Médicos Sem Fronteiras. Um médico humanista, enfim, unzinho, foi o pensamento que rodou na cabeça dos boêmios e dos velhos céticos que estavam na mesa 1, a da janela.

Soubemos também que essa proteção dos anéis fantasiada de xenofobia está longe de ser unanimidade. "Unânimes talvez sejam os açougueiros eleitos para dirigir a classe, é como qualquer sindicato, são políticos, querem se reeleger, aí já viu, vão pelos que supõem ou sabem que são a maioria". Mesmo dizendo apoiar a vinda dos cubanos, foi imediatamente rebatizado para Freddy Garcia Lorpa pelo Clóvis Baixo. O Freddy levou na esportiva, dizendo que pior seria Freddy Krueger. Clóvis foi pego no contrapé, chegou a repensar o apelido, arguindo que possivelmente a profissão de médico tenha mais a ver com Freddy Krueger mesmo, porém decidiu não judiar tanto assim do novo membro da confraria. Enquanto os boêmios tomavam um copo de cerveja o Freddy tomava três, atribuindo a sede ao forno em que se transformou a cidade. Tomava um e dizia: Porto Alegre é foda, outra e Como que é vocês aguentam este calor. A turma se divertia, vai para Fortaleza, para ver...

Cá comigo, fiquei curioso por saber a opinião do Médicos Sem Fronteiras sobre a vinda de estrangeiros ao Brasil. Freddy disse que com a atucanação de mudança e tal não teve tempo de se atualizar sobre os últimos acontecimentos. Quando retornar à palafita vou procurar informações.

O "apresentou-nos" lá de cima e os modos seguintes é isso mesmo: hoje resolvi dar uma passada no palco dos acontecimentos, rever a moçada e me refrescar, de fato o dia está muito quente e abafado. À noite deve bater água. Com chuva ou não, já cheguei com o meu quilo de costela uruguaia, acertei em cheio: todos tinham levado a sua parte, vai ter churrasco no meio da rua com chuva ou sem chuva.

O Portuga conta que ontem Luciano Peregrino foi o último a sair, ajudou-o a fechar o botequim. Luciano está morando temporariamente, como diz, nas Escadarias da 24 de Maio, famoso logradouro que une o Centro à Cidade Baixa, próximo ao bar. Ao sair, o Portuga lhe pediu uma mão, saiu levando a última sacola de lixo para a lixeira ao sopé da 24. Boa noite, Portugalino, dirija devagar essa gaiota, e lá se foi o boêmio, levando bebidas para terminar a noite em casa. Chegar em casa de geladeira e cama vazia ninguém merece. 

Daqui em diante o próprio Luciano passou a narrar. Tentarei resumir. Chegou em casa e decidiu dar uns telefonemas com urgência, só então percebeu o tardar da hora. Tentou dez amigas e recebeu dez vozes de sono, "Aconteceu alguma coisa? Ah, te acalma, homem, ..., me liga amanhã, meu bem, tiau, clic". 

(Os pontinhos, chamados reticências, são assuntos entre amantes adultos, pulamos, né.)

No desespero de causa tentou uma que não via há dois anos, esta teria exclamado: "De novo só lembra de mim às três da matina! Não se flagra, cara?! Agora tou empernada, me liga depois da Copa, seu babaca!". Meninos... tal o sentimento do boêmio ao contar, foi insultado, agredido, que todos passamos a detestar a cidadã. "Vaca" foi a palavra mais doce que saiu da boca da turma. Jezebel do Cpers saiu em defesa da vaca, bem, não foi bem defesa, mas disse: "Se fosse comigo eu simplesmente desligava". Certo, disse Freddy Lorpa, rainha mantém o nível, mas essa era uma bovina, e a sua risada, ou trovoada, foi ouvida no Pólo oposto, o Baixo disse que acordou as famílias dos iglus e os bacalhaus do Mar do Norte. Até nisso parece com o outro.

- Hummm, por falar em bacalhau... fala, Luciano, provocou Marquito Açafrão.

Vai como disse Luciano, com uma vírgula a mais ou a menos:

"Chorei copiosamente por ter perdido aquela frígida, fod... não vou cansar a beleza dos amigos desfiando meu dicionário de palavrões com a letra "f", e resolvi tomar uma cerveja. Fui à cozinha, onde as deixei, abri a sacola e lá estava... o lixo do Portuga, cinco cascos de vinhos. Dei uma de Clóvis, botei na lixeira o saco de cervejas. Peguei o lixo e desci as escadarias que nunca terminavam, estranhei uma canseira assim, as escadas por vezes pareciam se mover. Já lá embaixo abri o container esperançoso: o saco de loiras estava intacto, sob umas basuras num cantinho. Ufa. Para subir de volta, pensei, levarei uma hora, mas volto bebendo, melhor que descer em seco é subir molhado. Começou a chover, comecei a cantar são coisas do momento, são chuvas de verão, e comecei a ficar ansioso, pescar não podia, estava sem vara.

Tive que entrar dentro daquilo, só então tirei o chapéu para os catadores de latas, são acrobatas, gente, não é mole, foi um drama, desaconselho bêbedos tentarem. Uma vez lá dentro, testículo esquerdo doendo - logo o esquerdo - pela esfregada no metal ao entrar na décima tentativa, respirei, ave, e a porra da tampa caiu com estrondo. Fiquei sentado no escuro. Somente então me dei conta de que tinha bebido demais MESMO. Resolvi tirar um soninho rápido, deixei-me cair para o lado e apaguei. Às sete da manhã acordei, abraçado a uma galinha podre, recuperado do trago, e saí num salto, vupt, quase vomitando, todo lambusado de uns troços fedorentos. Acabei de sair e quem vai passando, me olhando com cara de espanto? A amiga da ex-noivinha, em quem ando de olho e já estava assim-assim para ganhar. Aterrorizada, baixou a cabeça, engatou uma quarta e saiu picada olhando para o chão. Eu mereço".

Cheirou-se: "Tomei cinco banhos e ainda sinto o fedor".

Todos falaram. Eu fui breve, dizendo mais ou menos o mesmo que Aristarco de Serraria: "Dá nada, meu irmão, neste mundo tudo tem volta, tem seu tempo, deixa rolar, um dia tu conta isso para ela, até lá ela pode ter mudado e vai rir muito". 

Carlinhos Adeva exclama: "Outro filósofo pro bar, ahahah...".

O Contralouco chega agitado, me dá um abraço de esmagar, dizendo: "Viu, Salito, os filhos da puta da Câmara livraram a cara do deputado ladrão?". "Não, pedro bó, ele não viu, ninguém viu...", diz Jussara do Moscão. O Contra não se mixa: "E os 'bandidão' querendo jogar bomba na cabeça das crianças sírias?, me contaram agora há pouco, que droga, a bronca não é deles...". Jussara repete a sua fala anterior do pedro bó. Porém nesta última a turma se coçou, doidos para meter a colher. Controlaram-se, unânimes em que nos resta somente lamentar todo o conjunto dessa triste obra.

Apresentado ao Freddy, o Contralouco deu um discurso e fez uma festa, queria botar o alemão nos ombros e carregá-lo pelo Beco, dizendo-o parecido com alguém. Os papos ficaram cada vez melhores (o senhor foi muito falado, governador Tarso Genro, deixa estar), mas lembramos das charges. Nessas alturas somos trinta almas em mesas da calçada do Beco do Oitavo.

Durante as escolhas foi impossível evitar certos assuntos.

Por estarmos de visita, Freddy e eu fomos premiados pela coordenadora Leilinha com uma escolha a solas, escolhemos primeiro, hoje serão fora de concurso. Vão ao fim. 

Ungidos pelo voto popular, os seguintes artistas:

Frank. - Esses caras deveriam morar naquela lixeira, Luciano, disse Jezebel do Cpers.



Pedro. - Taí, de repente a vaca tava como esse cara, disse Clóvis Baixo. - Como ele de certa forma acho que todos nós estamos, isso broxa qualquer um, falou Carlinhos.



Genildo. Os amigos podem imaginar os comentários. O Contralouco queria ir em casa vestir sua roupa de Black Bloc.



Newton Silva. Todo mundo permaneceu em silêncio de velório de criança, aliás, neste tema há dias estão assim. Estamos.



E Renato. - Se eu estivesse lá, atolava um punhal no goela do cara, disse o Contralouco. A turma riu, Aristarco e eu não...



Leilinha Ferro escolheu a sua, também a solas, privilégio da coordenadora. 

S. Salvador.



Freddy Garcia IV, ou Lorpa, como quer o Baixo, ficou com o Morettini. Aqui Ain Cruz Alta me sussurrou algo que estou certo de que todos haviam pensado: - Parece que foi Deus, Mr. Hyde faleceu, e agora surge o Freddy, também médico e também alemaozão...



Na minha vez, fiquei com o Nani. Como já expressei tantas vezes, as paredes do botequim são cobertas de charges e caricaturas dos artistas do traço e do pensamento do Brasil. Aquelas tidas como obras-primas vão para a parede. O recorde de obras ali expostas é do Nani Lucas. 

Hoje escolhi ao Nani como escolheria em circunstâncias diversas, afinal não por culpa minha que as paredes estão repletas, mas aproveitei para informar aos boêmios que o gênio mineiro se dispôs a ilustrar um livro que estou preparando, apesar da falta de tempo e dos probleminhas com Mr. Febraban. O bar foi abaixo. Até capa já tem, um primor, da lavra da artista plástica Carmen Medeiros. Como mínimo gesto de gratidão eles terão os nomes na capa, dimensões e destaque idênticos aos do autor. Rimos todos quando o Portuga, só podia ser judeu novo, digo, cristão novo, sugeriu e abracei: pensando bem, com os seus nomes (deles, né) na capa talvez consigamos vender alguns ou muitos exemplares. Sobre as inquirições a respeito do livro, fica para outro dia, pois fui fuzilado por dezenas de perguntas. O Contralouco riu e perguntou se haverá putaria. Mesmo não sabendo exatamente o que pensava ele com essa palavra, confirmei, sim. Pero no mucho.


A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que.., bem..., se fundiram  no ano passado (veja AQUI), face a dívidas com o sistema agiotário. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro.

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