viernes, 8 de marzo de 2013

Gato mamado e Candeia

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Puta que pariu. 

Puta que pariu.

Puta que pariu. Galera... onde é que estamos?

Antes que tornasse a repetir, perguntei pro João da Noite:

- Puta que pariu o quê, meu? Estamos onde? Fala.

Isso em 2009, com João atolado de merengues, à meia-noite num bar do Menino Deus. 


João estava puto, fígado ardendo. Chapéu afundado, no encontro marcado naquele bar já tinha começado, fez festa quando cheguei, estava como o Zeca, Tocadinho. Tordilho naquele ponto bom, florete. Nos abraços ainda em pé disse coisas, abraços de esmagar. Senti três armas, duas de fogo em cima dos corações (dizem que boêmio tem dois, um no esquerdo e outro no direito, ligados pelo meio do peito) e a adaga nas costas. Não olhei para baixo, até porque não conseguiria detectar, calça de homem, larga, cabe até canhão nas pernas e ninguém vê, sai esvoaçando. 

Devo ter feito algo ruim em outra vida, para merecer.

- Salito, mano, se eu pudesse virava puto - falei puto ô babaca, e te suma, disse a um bandido que passava e inventou de olhar pra ele -, ã, dizia que... passaria a vida ajoelhando para os viadinhos filhos da podridão dos donos do Congresso Nacional, pois não tem mais mulher neste mundo. Nietszche sabia o que dizia.

Pedi uma bebida ao garçom e disse:

- Não entendi. Mulher não tem mais? Tá a fim de agasalhar?  Homem tem? Que tal o viadinho âncora da Grobo?

- Mas tu é complicado, não dá pra conversar contigo. Falei em morrer, Sala, tu entendeu, não te faz. Dá vontade de morrer.

Sabia bem demais do que ele estava falando, mas estava ferido, tentei contemporizar. Saí de lado:

- Esquece essa de morrer, João, falaremos disso depois que todos eles morrerem. Fé, meu irmão. Mas me conta que papo era esse.

- Cheguei hoje de Floripa. Ontem eu ia fazer a pele de um alemão de Joinville, que estava lá... esquece. Desci a Rua dos Ilhéus, vindo da praça do teatro, e por ali achei um buteco, meninada com violão e pandeiro. Cantadinho, cantadinho. Sentei, pedi um chope, e o moleque disse: "Aê, galera, agora um pagode". O que isso te diz, Salito?

Pensei antes de responder, tentando pegar a cuca do João.

- Bem... galera é aquilo das galés, os escravos dê-lhe a remar na marcação de um tambor, abaixo de açoite. Pagode é um tipo de casa de chinês. Ou indiano, japonês, vá lembrar.

- Aí que tá, mas não era isso: eles iam apenas assassinar um samba! Se é que se pode chamar aquilo de samba.

- E toda essa irritação só por causa disso?

- Não, Sala, é que perdi o alemão, ia pegar o sujo às quatro da matina, mas ele se fugou do hotel às dez, enquanto eu machucava os meus ouvidos ouvindo o "pagode pra galera".

- Certo, entendi, os sambas do ronaldinho gaúcho. Ei, seu, mais dois chopes aqui.

- A escravidão vem da língua, premeditada, a gente precisa matar a Grobo, a máfia baiana, a catarina, todos eles, urge, já... (os seus olhos se firmaram em luz, mirando além)... antes que matem toda a gurizada, Salito, não podemos permitir, temos responsabilidade!

Prudentemente, fiquei quieto, ele estava magoado, acabaria falando de cérebros dizimados e da "galera" do Corinthians ou de qualquer fuga semelhante, onde os bandidos de cultura mediana, para o lado ruim, metem sem cuspe.

Perguntei onde andava a Maria, que fazia em casa a massa, cortando à faca o spaguetti. Com molho rosado e vinho tinto depois. Desviei os seus maus pensamentos. A gringa Maria já era, agora era Liège, uma baixinha filhinha de mami, que iria durar pouco. Pena.

Outro dia - pensei lá em 2009 - direi ao meu querido amigo, que até onde sei atualmente anda pelas quebradas do Espinilho, vivendo como índio no fundão do mato com a deusa loura do punhal de osso, que as melancias irão se ajeitando com o andor da carroça, devemos confiar na moçada boa, os fãs mentecaptos sempre existirão, com seus ídolos de teatros e cavernas remontam a antes de Cristo, e as pobres almas merecem respeito, malgrado que com o prejuízo mental do qual não têm culpa elejam maquiadores de bonecos em democracias de riso. Merecem dó. 

Como todos merecemos, pobres humanos. Hoje aqui, neste bar Gato Mamado da Rua Saldanha Marinho, ao lado da dos Ilhéus, talvez mereçamos pena, posto que de um modo ou de outro também submetidos à condição humana, à miséria humana, contra a qual reagimos a um custo terrível, nem todos tiveram essa sorte de ter forças, ou sonhar que tem, para enfrentar o custo, nem são conscientes da caixa-preta da humanidade: como uns são assim e outros assado, se presentes a mesma casa, a mesma vida, os mesmos obstáculos.

Ouço em pensamento a sua voz: "Isso não é sorte, Sala, é azar, os brutos é que são felizes, não sabem nem sentem nada além dos instintos do animal que somos. Vivem e morrem, deixando rastros de destruição que ninguém lembrará, exatamente como nós, que mesmo sem rastro apagaremos e adeus. Se tu quisesse conseguiria virar nome de rua, por um belo romance ou novela, ou por ser padrinho de cem filhos da puta, mas você gozará isso? Esquece. O moleque passa na Avenida João Pessoa, achas que ele sabe quem foi João Pessoa? Entra na ruela Otávio Correa, sabem o que fez nos 18 do Forte de Copacabana? Não sabem e não querem saber".

Aludiu, o nobre boêmio, ao tempo em que eu batizava os filhos e filhas das moças do bordel em que morei, para terem pai. Grande coisa... Levei livre porque não disse por mal, e estava bêbedo. Encerrei a conversa, não sem antes desmontar seus argumentos:

- Tu e eu sabemos de Otávio Correa. Como ousas insinuar que os que virão serão piores que nós? Serão melhores. E fim.

E hoje, março de 2013, solito em mesa da rua, empurro para trás o chapéu, o feltro está me esquentando a cabeça, parou de chover, levanto o braço e peço ao dono do Gato Mamado dois chopes. Um para mim, outro para o João que não está em minha frente. Uma alemoa catarina, trintona e muuuuuito gostosa, lá de dentro do bar me olha com especial curiosidade, deve ter gostado do chapéu marrom. Olho para o outro lado, lá embaixo da rua algum movimento. Isso, vai, brinque com quem está quieto, meu amor.

Saudades de João, o futuro prefeito de Porto Alegre. Prefeito a ferro, chega de água-morna profissional (em água-mornice, antes que entendam mal coisas que não posso provar, ainda).

Pela madrugada, sonhei os sonhos dele, que também foram meus. Ah, seria bom.

Y así pasan los dias.

[como sou um missioneiro muito jovem, reconheço apenas, assim de visão, a Tantinho da Mangueira (camisa azul, calça branca, tocando prato), a quem já rendi homenagem neste blog. Além, obviamente, do amoroso, descomunal, Candeia]







Antônio Candeia Filho (Rio, 17/8/1935 - 16/11/1978), um  fantástico gênio brasileiro, não de aulas de piano aos dois anos de idade como os supostos gênios da música clássica européia (assim até eu), não, um garoto vindo das ruas, de deixar o mundo espantado pela visão abrangente, pela filosofia do bem natural em sua alma, a sabedoria dos tempos que carregam os contemplados.

Que eu saiba jamais sequer foi cogitado para a Academia Brasileira de Letras. Como não o foram Aldir Blanc, Hermínio Bello de Carvalho, Paulinho da Viola, Chico Buarque, entre tantos. Boa noite, Sr. Sarney, pagou quanto?

Por essas e outras é que compreendo o João. Vontade de morrer. Isolar um ou dois filhos da pauta não adiantaria, são muitos, e proliferam como ratos.






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