miércoles, 30 de enero de 2013

Tragédia de Santa Maria - A responsabilidade, n'A Charge do Dias

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- Gente: na hora da responsa, começou a nojeira -, disse Lúcio Peregrino, preparando-se para a leitura das "Notícias do Notibuc", como é habitual no Botequim, com a sua especial narrativa de âncora honesto. E dispara:

- Governador bota no do prefeito, de outro partido. Prefeito tira ligeiro o seu fora e bota no do governador. Prefeitura bota no do Corpo de Bombeiros. Corpo de Bombeiros tira da reta e atola no da Prefeitura, de quebra bota no do CREA. O CREA tira fora e bota a culpa na legislação, mas fica de averiguar o relatório do seu engenheiro que participou da meleca. Políticos que fizeram as leis ficam quietinhos, ninguém sabe seus nomes, não convém alertar os gansos.

- Puta que pariu, bem isso, a maldita política entra em ação -, diz Clóvis Baixo.

Segue Lúcio:

- Advogado do dono da baiúca bota no do Corpo de Bombeiros, diz que a operação de socorro foi desastrosa. 

- Ah, não, assim também não, diz a profa Jussara do Moscão, perdendo a paciência. - É muita coragem desse rábula de porta de cadeia, quer dizer então que os bombeiros tinham que ter o Super Homem, para chegar lá num minuto, quebrar a cara dos leões-de-chácara, abrir vias de fuga nas paredes e tirar mil pessoas de dentro do inferno, num zás?

- Se eu pego um cara desses... -, diz o Contralouco.

- Esse otário desde já é candidato ao troféu Pinóquio 2013. Tudo bem quanto ao direito de defesa, mas é por essas e outras que a nossa classe é tão desmoralizada, e depois a gente reclama -, diz Carlinhos Adeva, o advogado da turma.

- Pinóquio se não for coisa pior, podemos inventar uma mistura de Pinóquio com João Bafo-de-Onça -, corrige a doutora Jezebel do Cpers.

- É, aquele advogado de bandidos e sonegadores, que foi ministro do Lulaluf, o Márcio Thomaz Bastos, usa de todos os meios para defender seus clientes multimilionários, mas não me consta que fique atirando a esmo desse jeito -, lembra Aristarco de Serraria.

- Gente, vamos continuar, depois vocês comentam. E segue:

- Dono da boate Beijo do Diabo tenta se matar no hospital. O antro não está no seu nome, e sim da mãe e da irmã, há suspeita de lavagem de dinheiro, de onde viria o dinheiro sujo? Boa coisa não é.

Aí foi o Contralouco quem perdeu a paciência: - Imagino, enrolou um barbante fininho no pescoço e se fechou no banheiro. Nunca vi nesta porca vida alguém que quisesse mesmo se matar e não conseguisse. O bundão é tão incompetente que nem isso consegue fazer? Sai dessa. Ele é bom de se mostrar, ah, sou o Rei da Noite... Rei das putiangas dele, na base da grana, conheço esses caras de longa data, mafiosos de carrão, que ficam comendo abobadas e aumentando a fortuna, enquanto economizam em instalações, salários dignos, treinamento e extintores. Se fosse uma filha minha eu ajudava ele a se matar!... Tá cheio de gente assim, em todas as atividades!

Clamor dos boêmios: - Opa, calma, Contra, não é bem assim, diz um. Calma, meu irmãozinho, diz outro.

- Gente, já pedi, comentários depois. E talvez não seja bem assim, querido Contra, afinal não conhecemos o cara. Prejulgar não é bom...

- Não te mete, Lúcio: eu conheço essa raça, tu não sei, sempre ocupado em comer asponas finas -, diz o Contralouco, de cara feia para o amigo do noticiário.

Jezebel intervém com firmeza: - Pera aí, Contra, ninguém está defendendo o cara, mas o fato de ter sido irresponsável...

- Irresponsável não, criminoso! - explode Contralouco, tentando se segurar com os olhos em algum lugar.

- Tá... que seja, mas também não quer dizer que não esteja abalado... - concluiu Jezebel, já vencida.

O Contralouco inicia a resposta: - Está é se fazendo e tu sabe muito bem...

Wilson Schu, sempre sereno, muda o rumo de vez, dando uma amenizada no ambiente: - Gente, vamos com calma; Contra, dá um tempo. Ô Portuga, traz quatro geladas aqui, por favor, o pessoal tá muito quente. Lúcio, fala aí do Renan, como está o negócio em Brasília.

O Contralouco se levanta e vai lá para os fundos do bar, dizendo: - Param de falar num cabaré e vão pra zona...

Lúcio engata novamente:

- O sugismundo do Renan não larga do porco, vergonha é coisa que esse larápio não conhece, é o retrato vivo dos seus colegas, com as exceções de praxe, como o Suplicy, o Simon, o Cristóvão Buarque e mais um ou dois.

- Gostaria de saber o que o Paulo Paim declarou, se declarou alguma coisa sobre esse assunto -, diz Jussara do Moscão, cuja mãe é eleitora do senador.

Ninguém sabe da opinião do Paim, está quietinho, nego esperto, deve ter suas razões para apoiar essa gentalha. (Salito meteu o dedo, com o perdão dos amigos e da vó da Ju, que peço).

Lúcio não consegue tirar Santa Maria da cabeça, inventa:

- Amigos do Botequim do Terguino sugerem à Polícia conclamar, pelas redes sociais, todos os que compareceram à boate naquela fatídica noite, e os que viram outras pessoas, com ampla divulgação na imprensa. Já que esconderam o caixa para não entregar, assim não será difícil descobrir quantas pessoas estavam lá dentro, se 1.000 ou 1.200, para uma capacidade de 600.

- É claro que a polícia já pensou nisso -, diz Tigran Gdanski.

- Sei, mas tem que fazer já, daqui a pouco dá acomodação - responde Lúcio.

Silencioso até então, Nicolau Gaiola começa falando devagar: 

- Tem autoridade - uns analfabetos ganhando uma miséria, como as suas vítimas em geral - para multar e abusar do cidadão que bebeu uma cerveja. Vindo de longe, saudoso, estava indo pra casa, direitinho, numa naice. De tocaia, o atacam a meia quadra de casa. Assopra o bafômetro e teje preso. Tem autoridade para cuidar se eu ou você estacionamos o fuca 75 em lugar errado, mesmo que seja para socorrer alguém que está se afogando. Tem "otoridade" para tudo. E não servem para nada. Hoje, caminhando pela João Pessoa às 4 da tarde, vi um brigadiano gorducho, bota gorducho nisso, uma bola mal encarada, ele e o parceiro, vindos contra mim pela mesma calçada, o banha com uma bruta pistola preta engatilhada na mão, voltada para baixo mas nem tanto. Onde ele ia? Numa lotérica amiga, proteger sei lá o quê. Insultou-me, aquele porco, babando sua brutalidade contente, machucou meu íntimo. Se hoje quem manda são as empresas privadas, eu disse PRIVADAS, e não bastasse esses animais toscos de milícias, ex-militares, bandidos, que descem até com 12 na mão, na frente dos cidadãos e seus filhinhos ante a complacência e autorização do Estado, o que o gordão brigadiano fazia ali, se estava tudo em paz?

Pára, pega o refri da Zilá, respira fundo, toma um gole no bico, olha pro chão, levanta a cabeça e vai:

- Não tinha engrezilha nenhuma. E eu, desarmado, ao passar por aqueles bichos, com uma menina de 7 anos pela mão, olhos arregalados, assustada... A "MINHA MENINA", estuprada assim, na hora me deu raiva do ex-ministro da Justiça que me desarmou. O ex-ministro desarmador de gente decente, quem era? O Tarso, em quem eu votei por falta de tu. Todos eles se entregam, quem manda são as armas da ditadura, e outras coisas.

- Meu Deus... -, murmura Silvana.

- Meu Deus nada, vai dizer que nunca viu?

Tigran engole em seco. Deixa as amigas e amigos consolando Nicolau e vaí até a sinuca nos fundos. Vê com prazer o Contralouco abrir uma partida atirando a preta de fiapo no canto, volta na mesa, o ás, a cinco, a cinco de novo, a dois, a seis, a cinco, a verde, ...aplaude o fecho do jogo antes que termine, sabe que o adversário não vai tocar no taco, e retorna. Pede uma gelada ao Portuga e diz:

- Putz, minha cabeça está doendo, Nicolau, você começou, agora termina, se te conheço tem mais um pouco, diz aí.

Nicolau se desembrulha do abraço da Jeze e responde:

- É simples. Por que isso não tem fim? Ora, porque molham a mão das "otoridades", claro. Salário de fome dá nisso, é incentivo à corrupção. Vai dizer que tu não sabe? No Rio ganham salário para proteger bicheiros. Em Porto Alegre há casos em que escoltam o dono do cabaré na hora da saída, 5 da matina, depois da espelunca incomodar os vizinhos a noite inteira, com música de estourar os tímpanos, brigas, gritos, garrafadas, para proteger a grana do "empresário da noite", como faziam, talvez ainda façam com um Clubinho da Venâncio. Brigadianos, carro oficial, com o TEU dinheiro, e o meu.

E segue encrencando, para desespero da Jezebel, que tinha conseguido acalmá-lo.


- Esse reizinho da noite que mereceu amores do governo é só mais um. Reclame para ver, ligue 190, para ouvir "Cidadão, anotamos seu nome e endereço...". Eu, hein? Não sei se molham a mão de funcionários de prefeitura, mas molham. Uma coisa é certa: a responsabilidade é das autoridades, secretário disso, secretário daquilo, representando "forças" que os elegeram... A grana para a eleição vem de onde? Se deixaram o irresponsável fazer e desfazer, é deles a responsa, com ou sem bola para seus amiguinhos, o resto é balela. E quem são os chefes desse mundo de mentira? O Prefeito e o Governador. 

De lá da frente se ouve a voz do Contralouco, o ouvido de cão da confraria: 

- Esses reizinhos da noite são donos da cidade porque a compraram, a bom preço e à vista. Políticos e polícia.

Leilinha Ferro, a luz dos olhos dos boêmios, que quieta a tudo via e ouvia de lá detrás do caixa, de repente desandou a chorar, com as mãos cobrindo o rosto. 

Só então se aperceberam, os homens e mulheres do Partido dos Boêmios, que Santa Maria ainda estava dentro da menina. Lembraram dos tempos primitivos de amor, de doçura, do quanto nos feriram, e de quanto a menina ainda estava ferida.

Jezebel, Silvana, Jussara e Zilá dispararam em seu socorro. 

Os homens também se levantaram e acorreram. A conversa continuaria mais tarde, quando Leila já tivesse ido embora, às nove da noite.

Leilinha não quis escolher as charges a que tem direito, delegou a tarefa às mulheres. Terguino, o seu pai, a mandou embora às sete. Na saída, levada por Jezebel e Jussara e um bando de homens, ela disse ao Terguino: Pai, tia Jeze, por favor chamem o Contralouco, quero que ele me leve em casa. 

Saíram e nada mais se disse. Dizer o quê. Que talvez a raiva, as bobagens, signifique que a ficha começou a cair, afinal são todos chefes de família. E dói.

Não há artista do traço e do pensamento que não tenha se derramado em lágrimas, no Brasil e possivelmente em outras paragens.

Os boêmios ficaram com:

Miguel, do vovô Jornal do Commercio (Recife, PE).




Jorge Braga, de O Popular (Goiânia, GO).




Amâncio, de O Jornal de Hoje (Natal, RN).




J. Bosco, de O Liberal (Belém, PA).



E Paixão, da Gazeta do Povo (Curitiba, PR). 




As boêmias, rendendo Leilinha, não participaram da eleição anterior. Somaram-se a elas algumas estudantes da UFRGS que sempre pintam no botequim. Escolheram:

Lila, do Jornal da Paraíba (João Pessoa, PB).




Luscar.




E Pater, de A Tribuna (Vitória, ES).



 A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que há poucos meses se..., bem..., se fundiram (veja AQUI), face a dívidas com o sistema agiotário. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro.

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