jueves, 25 de octubre de 2012

José Dirceu e papo de advogado de botequim, n'A Charge do Dias

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- Gente, não sabem da maior -, disse Carlinhos Adeva entrando no bar. - Ontem o Zé Dirceu me telefonou apavorado.

Mr. Hyde se levanta: - Vou dar uma volta, lá vem ele com invencionices de novo.

O resto da turma se remexe nas cadeiras, adoram pegar o Carlinhos inspirado. Pedem para o Terguino renovar as bebidas.

- Sério, pessoal. Por volta de meia-noite o telefone tocou, ele lá, todo arrependidão, não pelo que diz que não fez, mas por errar de advogado: "Eu deveria ter seguido os teus conselhos, Carlos, e contratado o Tom pra me defender. Não fiz nada, droga, e acabei condenado por aqueles viados, aquele pastel-de-tigre vai sifu, não sabe o que o espera, vai me pagar!". 

- Já veio com raiva do Joaquim. Pombas, o Quincas é meu amigo do peito, muita penosa comemos juntos nos antanhos, ahm, com arroz, ele tem uns dez ou onze anos mais que eu, mais sabido, mais lido, mais inteligente e tudo, meu mestre sem jamais dizer que era. Eu só falo javanês, português, russo e polakês, ele essas e todas as outras línguas, até alemão e italiano e inglês e tudo, mas uma pessoa... a simplicidade, o desvelo, a confiança, a sinceridade, o carinho..., só que, depois do que vimos e sofremos, ele mais que eu, não é otário para permitir que idiotas malcriados, ã... isso é outro papo. Zé Dirceu ligou pra pedir favor e me começa desse jeito, já sentiram, né.

- Falei calmaí, Zé, o bicho não é tão feio assim. "Como não é tão feio, porra, eu tava fazendo as contas aqui: se o Marcos Valério pegou 40 anos de prisão, quanto eu vou pegar então? 120?".

De faísca atrasada, Gustavo Moscão pergunta: - Carlinhos, quem é esse Tom?

- Ora, é o Tom, meu amigaço. Famosíssimo, uma lenda na advocacia do crime, não é adeva pé-de-chinelo como esses que temos visto. Tom é para os amigos, o Dirceu o chama de Tom só pra se escalar, pois nunca o viu. Agora é que nunca vai ver. Para os estranhos é Thomas Feargal Hagen, bom demais. Se quiser detalhes role o nome no Google. Temos sociedade num haras, eu com um cavalinho que trouxe aqui de Santa Bárbara e ele com uns mil puros-sangues, mistura de árabes, espanhóis, irlandeses, não entendi bem ainda, a cruza é foda, mas florão, de tirar o chapéu, pra subir num deles o Clóvis só com escada, e voam mais que passarinho, asas nas pernas.

Clóvis Baixo se manifesta, contrariado porque baixinho não sobe no árabe-inglês, mas se fazendo de docinho, diz: - E porque diabos, com tanto cavalo bom, ele fez sociedade contigo, pelo teu cavalinho de Santa Bárbara do Sul?

- Porque ele não é como você, meu amigo. Ele não me vê como santo-de-casa que daqui sem mim não sai. E o meu cavalinho tá cobrindo as éguas dele, dali vão sair os voadores, com asas de verdade.

Tigran Gdanski: - Continua a história, pô...

Ao ver os companheiros bebericando, Carlinhos lembra de pedir uma losninha. - Ô, Terguino, me dá uma fada verde, mas capricha na dosimetria, com chorão!

- Bem, aí eu disse pro Zé: pensa positivo, meu chapa, no Brasil temos a comutação automática de pena, a máxima é de 30 anos. Para a progressão vai valer os 120, mas podemos arguir a inconstitucionalidade da súmula 715, sob a alegação de que o seu cumprimento significa prisão perpétua, tu também é advogado, deve saber. "Não te faz comigo, malandro!, tu sabe muito bem que não surfo nada de Direito, meu negócio é outro, é esquerdo. Bolso esquerdo, deixe de ser hipócrita, tu deve gostar de dinheiro também, ora". Tá bom, calma, tchê, calma, o tema é penoso, mas vai por mim e toma café com jasmim: na pior das hipóteses tu vai ficar trancado só uns 10 anos. "Só?! Só por que não é no teu!".

- Só das telefônicas, e de tudo, até da casa da moeda no carimbo das tampinhas e bundinhas de lata, quanto tu tem em paraíso fiscal, seu puto?

- Nada, nada!, é tudo mentira. Tu é meu advogado ou deles, ô 'tchê'?!

Dá um talho na fada verde e segue:

- E ele se veio: "E tchê merda nenhuma! Nunca gostei desses gaúchos, metidos a honestos, nunca permiti que apitassem na Executiva; o Tarso, com aquele papinho de Refundação do PT, se fazendo de brabo, se fosse bom teria saído que nem a filha dele! Enquadrei todos! Quem reagiu mandei expulsar! Aquele Olívio Dutra é outro que o trem não pega, mandei demitir do ministério, dei o cargo prum dos aliados, esse sim, de confiança! E eles ainda correm me abraçar quando me veem; quem tem, tem medo".

Carlinhos suspira fundo, olha para a janela do bar, relutando em contar o resto. Toma um gole da fada, a alma do artista começa a surgir, as cortinas vão se abrindo. Continua, rosto triste, fatigado:

- Ai-ai-ai, amigos. Só aí notei que ele tava de fato muito agitado, angustiado, e a profissão obriga a gente a continuar sereno. Não gostei nadinha do que ele falou. Mas recordei que carrego nos ombros o munus publicum, e tenho um longo juramento a cumprir,  não sou como eles, na cabeça zunindo Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas...

- Então fiquei na minha e sorri para a boca preta do meu telefone antigo, falando com voz mansa, paternal: Zezinho, me respeite, seu bostinha, nunca te cobrei honorários, não me fale em dinheiro, só de pensar no quanto você entregou para aqueles abóboras... abra um daqueles teus vinhos, pra relaxar, eu vou abrir um aqui, já volto. Pera, pera, disse ele, os abóboras paguei com sugestões de contratos no governo, não gastei um tostão! Mas tu tem razão, manda a conta! Ouvi seu grito a alguém: "Anda abrir aquele Romanée Conti 2003, seu inútil!".

- Dei um tempo, molhei as salsas e manjeronas nos vasos dos fundos do apezinho, antes botei o CD do Nei Lisboa. Depois retornei, abri as janelas da frente, ah, Telhados de Paris... Com calma reguei as açucenas e as dálias, misturado à água dei um tiquinho de vinho para as rosas. Esperei que ele tomasse uma taça, mais uma, outra, eu lá ouvindo música e falando com as plantas, quase me esqueço do López Rega paulista, mas, passadas duas horas, lembrei e peguei o telefone. Azar, a ligação era por conta dele, ou do governo, no caso minha, sei lá.

Carlos dá mais um talho na losninha. A turma esperando, olhos acesos. Ainda bem que o Contralouco não estava.

- Bem, eu dizia, peguei o telefone e estava aquele silêncio no outro lado da linha. Bem, murmurei, acho que ele dormiu. "Não, tou aqui feito palhaço esperando o dotorzinho!". 

- Ai-ai-ai. Seja profissional, Carlitinho, disse a mim mesmo, calma. Então lembrei-o de que dá para recorrer, coisa simples: sabe como é, Zé, metemos embargos infringentes, postergantes, infrutíferos, desinfetantes, inventamos moda, o diabo a quatro, peticionamos à ONU, à Marte, à puta que te pariu. Com a lentidão do judiciário, mais alguns amigos sentando em cima do processo, isso só vai se resolver lá por 2.060.

"Carlinhos, meu querido, que nos pariu, agora tô intendeindo, esse é o Carlos que eu gosto, que eu amo, assim fico bem mais tranquilo..., mas, pera aí... Pô, em 2.060 eu estarei com 114 anos! Será que aí terei que cumprir pena, mesmo estando assim meio velho?".

- Não, Zé, para criminosos com mais de 70 anos de idade no Brasil só se for prisão domiciliar, pra ti só faltam 4 pros 70, vai ficar numa boa, na beira da piscina, uísque de dez mil contos, festas, casa cheia de amigos cineastas, artistas de tevê, lá na rua os fanáticos, digo, os fãs te idolatrando...

"Ah, bom. E com 114, dá pra me candidatar a presidente? O médico me disse que posso fazer outra plástica...".

- Olha, Zé, poder até pode, se conseguir anular a condenação, mas tu não acha que vai estar meio, ahm, bem, assim... meio maduro demais?

Clóvis Baixo sai correndo em prantos em direção ao banheiro.

Carlinhos respira fundo, olhos de espeto olhando para o nada, sorri, e conclui:

- É isso que eu gosto no Zé. Não terminei de falar e ele já ficou lá traçando planos de ser o rei da cocada preta em 2.060.

Mr. Hyde retorna de seu passeio pelo Beco do Oitavo, dizendo: - Nem me contem o que ele falou. Tu é um porre, hein, Adeva!

Clóvis Baixo voltava do banheiro, onde tinha ido lavar o rosto para parar de rir, quando viu o carão do Hyde intimando o Carlinhos. Voltou para o banheiro, chorando de rir de novo.

Nicolau Gaiola, o ator e teatrólogo da confraria, que até então se mantinha quieto, levanta-se e diz, olhando firme: - Olha, Hyde, vê se baixa a bola, não sei o que tu tem contra o Carlinhos, mas deu mancada. Eu ainda não consegui encenar a minha peça Sarney Nu, mas aqui de público peço ao Carlinhos para me escrever em 20 páginas a ideia que trouxe, vai ser meu roteirista! Vou fazer cinema, um curta. Ficção, otário, ficção! Estórias! Que sempre ficarão aquém da maldita realidade!

E saiu puto da vida, com o Hyde atrás, dizendo: - Espera, Nico, eu também só tava brincando, me conta o que ele disse, é que outro dia ele aplicou uma inverossímil...

Gustavo Moscão, que costuma confundir a criatura com o criador, entrou numa de que a ficção tinha fundo de verdade, e falou: - Mas, Carlos, o cara te explorou, por que tu não quis cobrar honorários dele?

Carlinhos não se deu por achado e respondeu:

- Porque não sou abobrão nem hipócrita, e não pego dinheiro de consulpone.

Um porre essa gente, ufa! Manda maneirarem aí, Leilinha.

Passada a intervenção de Carlinhos, que é nada menos que o diretor jurídico do Partido dos Boêmios, eleito por aclamação, como o futuro prefeito João da Noite, pela vontade soberana de todos os diretores da vida sem egoísmo, como se dizem, os empinantes retomam o assunto anterior, um pouquinho menos importante: o Inter.

Ontem fizeram as contas certas, o Campeão de Tudo estava dez pontos atrás para chegar à Libertadores, virou o jogo contra o Vasco da Gama numa loucura sensacional, no Rio de Janeiro, dois golos do Forlán (o "golos" a turma tomou por empréstimo do português António, gremista doente, que também diz que a bola não rola na grama, e sim no relvado), o colorado agora está a sete pontos do São Paulo. E vamo vamo Inter! Parecem crianças.

Clóvis Baixo, frenético com a tabela na frente, jornal tomando meia mesa: - No próximo sábado o Inter goleia o Palmeiras no Beira Rio e o São Paulo sifu com o Sport lá na Ilha do Retiro. A diferença cai pra 4. O Vasco nem conta, pega o Corinthians em São Paulo.

Marquito Açafrão, na mesa de cá, com outro placarzão de jornal aberto, este enorme: - No outro domingo, quatro de novembro, o Flu crã no São Paulo e o Inter goleia o Náutico nos Aflitos. Cai pra 1. No domingo do dia onze o Grêmio dá uma mãozinha e ganha do São Paulo no Olímpico, a gente crã na Macaca lá em Campinas. Pronto, 2 pontos na frente deles e adeus tia chica.

- Quero tirar sangue do rabo do São Paulo! -, grita Clóvis Baixo. Uivam, berram, se abraçam.

Contralouco, recém-chegado: - Sei não, não levo fé nesse jogo do Olímpico, esses "alemão" são muito ruins de coração, periga perderem só pra nos prejudicar.

Clóvis, olhos brilhando de felicidade, mata a pau: - Não podem!, vão perder duas antes, vão sifu ao quadrado esses porcos, essa eles vão ter que ganhar!

Com essa o Contralouco perde as estribeiras e dá um pulo, se abraça com os olhos ensopados aos doidos, ficam dançando no meio do botequim, doze homens e seis mulheres, agarrados, levantando copos e garrafas, risos abertos...

A dona Otília, a negona que é a costureira da rua, amigona da turma, todos a amam, e às suas seis filhas casadas, uma mais bonita que a outra, numa boa, epa, nada disso, que foi ao botequim pegar um refri trajando uma camiseta branca do Grêmio, já de saída pára e assiste aos marmanjos e patroas em cordão de carnaval. Ri gostosamente, na passagem da marchinha belisca o Contralouco na bunda e exclama: - Louco!, o que faz a bebida, vão sonhando, seus pinguços...

Leila Ferro cobra as obras do dia.

Ficaram com o Boopo, da Tribuna de Amparo (Amparo, SP).




E com o Heringer. Aristarco de Serraria foi quem defendeu a eleição desta obra. Para o Gustavo Moscão ele teve que explicar: - Muito profunda. Se esse cara bate com a língua nos dentes...



Leilinha Ferro parou na do Nani.





(A coluna A Charge do Dias leva esse título pelo seu idealizador, o mestre Adolfo Dias Savchenko, que um belo dia se mandou para a Argentina, onde vive muito bem. Sucedeu-o na coordenação a jovem Leila Ferro, filha do Terguino, quando os boêmios amarelaram na hora de assumir o encargo. Antes eram dois butecos, o Beco do Oitavo e o Botequim do Terguino, que há poucos dias se..., bem..., se fundiram (veja AQUI), devido a dívidas com o sistema agiotário, como eles dizem. O novo bar manteve o nome de um dos butecos: por sorteio ficou Botequim do Terguino, agora propriedade dos ex-endividados António Portuga e Terguino Ferro)


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