lunes, 8 de octubre de 2012

Papéis velhos ao som de Mahler




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Por aqui também recomeço a mexer com palavras. É hora de tentar concluir um trabalho que ficou pela metade lá no século passado, na época estava acabando com os nervos deste modesto escrevinhador. A separação da minha esposa era demais para suportar, mas a incompatibilidade de gênios... esta droga de gênio meu. Aí veio aquele ano de 1992, quando comecei a novela que ficou inconclusa. Esse ano foi especialmente ruim, muitos desgostos, muitas mortes. Recordo que me despedi com uma amarga crônica, publicada num jornal de Pelotas no dia 31 de dezembro, encerrada com uma frase curta: Até nunca mais, 1992. Hoje surgiu de um baú, inesperadamente, este maço de folhas amareladas pelo tempo, com as marcas da velha Olivetti na folha da frente, com o título: Eu, perverso. Não li ainda, não sei se devo nesta segunda-feira. 

Como som de fundo, Mahler. Era com Mahler, entre outros, e suas sinfonias - da Quinta quase furei o LP, a exemplo das Concertantes de Mozart - que passava noites e noites  solitário datilografando, amassando papéis, montanhas de papéis, bebendo vinho, uísque, vodka, chorando, dor profunda, depressão, criações que se tornavam reais, meu Deus, as meninas... Será que as sinfonias pioravam o meu estado de espírito? Não sei, estava recém me educando - pessoas de origem humilde não possuem bagagem culta - e sigo ainda, isto não tem  fim.

A vizinha de cima, senhora de meia-idade, tocou a campainha num domingo pela manhã: me desculpe a intromissão, vizinho, não leve a mal, mas ontem à noite o ouvimos chorar por horas, de cortar o coração; seja o que for, talvez haja solução, você é tão moço, pode contar com a gente. Mais tarde suba e almoce conosco, parece que não anda se alimentando bem. 

E seguia aflito, refazendo, sôfrego, aborrecido com a própria falta de cultura, temeroso de possuir pouca  imaginação, riscando à mão, quebrando a cabeça atrás de um sinônimo, sinônimo não apenas, mas aquela palavra que expressaria tudo, as outras ali não serviam. Puxando rodapés, iludido, mais esperançoso, de que de alguma maneira poderia influir, se não nos destinos alheios, pelo menos no meu, o meu estava em minhas mãos, precisava achar uma escapatória.

Cruel despreparo. Teria morrido, não fosse a necessidade de muitas viagens profissionais, pelo pão de cada dia, pelo aluguel. Pelas meninas, única razão.

A triste decepção com o mercado de livros, cativo de jornalistas, igualzinho a qualquer outro negócio, pesa o nome, o quem indica, mesmo supondo uma boa obra, e esta timidez, e a mania de não pedir nem de mexer pauzinhos. Um bando de crápulas.

Depois a paralisia, o niilismo destruidor, o desespero, a falta de Deus, esse Deus que tanto procuro e não encontro.

Agora, bem, agora vamos ver onde isso me levará. Pensando bem, melhor será devolver estes papéis ao baú, alguém já disse que não se deve olhar para trás, é possível que eu venha a rir do que escrevi há vinte anos, as imagens que guardo são confusas, mas não sei, é arriscado.

É, melhor será começar algo novo, algo que traga alguma alegria, alguma esperança. É isso, jogo o maço de papéis bem no fundo do velho baú. Talvez um dia eu possa, agora não. Agora é hora de tentar trazer um pouco de calma ao meu coração.




1 comentario:

  1. Oi ...
    A última frase do texto é muito...muitíssimo importante, após tantos reveses,já é hora da calmaria, faz bem a alma. Bom domingo.Bjus

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