jueves, 27 de septiembre de 2012

Francisco Alves - Vivo na memória do povo

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Em um dia como hoje, no controverso ano de 1952, há exatos sessenta anos, o Brasil se quedou paralisado.

Voltando ao Rio de Janeiro depois de uma visita a São Paulo, dirigindo seu Buick, morria tragicamente Francisco Alves, o Rei da Voz, na rodovia São Paulo-Rio, próximo a Pindamonhangaba.

Vive na memória do povo e naqueles vinis, aqui primeiro com Foi Ela (Ary Barroso).





Havia no Treviso - o famoso bar-restaurante do velho Mercado Público (desde 1.869, o Mercado), onde os boêmios costumavam acabar a noite (na época não tinha hora para fechar), uma cadeira suspensa no ar: a cadeira onde o grande cantor sentou em uma das suas visitas a Porto Alegre e que ficou para sempre sua. O Treviso não existe mais, o Gambrinus tem uma réplica da cadeira. A original deveria estar em algum museu, mas não sei (este não sei, começando a misturar a primeira do singular com a do plural, é sério indício de que o modesto escriba se emociona, e, pior, não tem coragem de corrigir, o "eu" me coloca mais vivo, mais ansioso, mais lá). Pode ser sonho, mas eu creio que vi a cadeira, o Treviso ainda existia certa vez, quando apavorado de fome, em 1973, quando Amaral de Souza foi nomeado governador pelos milicos assassinos, fui pedir emprego a um dos açougues do Mercado. Ou não existia, sonhei que vi de longe, também recordo vagamente de que fui recusado no emprego, mas que ganhei, sem pedir, um prato de sopa de mocotó de um dos açougueiros, ele usava uma camiseta do Inter, se comoveu ao ver tanta raiva e tanto medo contido nos olhos de uma criança, escrevi um conto doído, doído para mim, sobre isso, 30 anos depois.

Há tempos não entramos nos antigos redutos da boemia que não vivenciamos, mas que adoramos imaginar, em sonhos estamos lá, de outra mesa olhando aqueles "velhos" maravilhosos e gentis. Poetas pobres, paus d'água sem perder o tino. Bem, médio...

Amanhã, além de aguentar os gritos da turma das peixarias (os bem velhos já partiram, mas os novos aprenderam com eles a me abraçar), que endoidecem ao ver "aquele menino" (no fundo querem dizer milagre que está vivo, às brincas, os sacanas), pararemos naquela onde foi o Treviso, tomaremos uma bebida comprada em qualquer lugar, ali mesmo na peixaria, olhando para o ar que ainda é o mesmo, o espaço sideral em quatro cantos, a cadeira ainda está lá, sim, sei que ela ainda está lá, como dentro do meu coração.

Cadeira Vazia é de autoria dos boêmios gaúchos Alcides Gonçalves, eterno injustiçado menos aqui, e Lupicínio Rodrigues, seus contemporâneos e companheiros de vida.

Aqui, na modesta postagem que fizemos, entraria Francisco Alves cantando Cadeira Vazia, mas conforme "Comentários" ao pé desta postagem, não resisto e puxo para cima o que suponho fragmentos de um texto de Júlio Conte, o notável diretor de teatro, ator e dramaturgo brasileiro, nascido em Caxias do Sul (RS), aqui reproduzido com a marca da sensibilidade de Jacqueline e Gaspar, falando de Francisco Alves, ou o Chico Viola, como era chamado carinhosamente pela população. O NE abobado e intrometido sou eu.

"Numa de suas passagens em Porto Alegre veio com Noel Rosa (NE: clique para ver um som neste blog) e Mário Reis  (idem) para uma turné de uma semana que durou um mês. As controvérsias transitam entre a temporada ter sido um fracasso, o que obrigou os artistas a permanecerem mais de um mês instalados em hotéis da Voluntários da Pátria (à época, o logradouro mais famoso devido aos incontáveis prostíbulos e inferninhos) à espera de numerário para pagar as passagens de volta, ou, a outra versão bem mais plausível, de que teriam se enrabichado por causa de mulheres. Prefiro acreditar nesta hipótese. Sabe-se que Noel teria uma paixão avassaladora por uma menina da vida fácil das redondezas do hotel e para ela teria composto um de seus clássicos (NE: O samba é Até Amanhã, se Deus quiser, se não chover eu volto pra te ver ó mulher...). Nestas andanças, bebedeiras e serenatas, o trio conheceu um soldado do exército que dizia compor musiquinhas. Este soldado de pele retinta e um pouco baixo, mostrou seu repertório e imediatamente Noel, Mario Reis e Chico Viola ficaram fascinados. Foi um mês de farra e poesia. O nome deste jovem (NE: 18 aninhos) compositor era meio estranho, um tal de Lupicínio.

(...)

O fato é que a contribuição de Chico Viola para a cultura gaúcha, levando em conta este estímulo ao Lupicínio Rodrigues, já seria o suficiente para ter uma cadeira no céu. Tudo indica que esta cadeira realmente existe e que tem uma réplica pendurada na parede do Restaurante Gambrinus do Mercado Público. Trata-se da mesma cadeira que ele sentava no Treviso. A doação foi feita pelo criador do Treviso, Tércio Kerber, para o Antonio, lendário criador do Restaurante Gambrinus. Quando minha filha era pequena, eu mostrava a ela a cadeira e contava esta história, porém nunca me dei conta, tanto quanto agora, da importãncia de uma cadeira suspensa. É como se a morte fosse vencida durante toda a eternidade em que se olha o tempo suspenso na parede."

Tintim!, Francisco, onde quer que esteja.




2 comentarios:

  1. Salitito, olha o que achei na rede, com o tio Gaspar, os parenteses são dele. O autor seria Julio Conte.
    "Numa de suas passagens em Porto Alegre veio com Noel Rosa e Mário Reis para uma turné de uma semana que durou um mês. As controvérsias transitam entre a temporada ter sido um fracasso, o que obrigou os artistas a permanecerem mais de um mês instalados em hotéis da Voluntários da Pátria (à época, o logradouro mais famoso devido aos incontáveis prostíbulos e inferninhos) à espera de numerário para pagar as passagens de volta, ou, a outra versão bem mais plausível, de que teriam se enrabichado por causa de mulheres. Prefiro acreditar nesta hipótese. Sabe-se que Noel teria (tido) uma paixão avassaladora por uma menina da vida fácil das redondezas do hotel e para ela teria composto um de seus clássicos. Nestas andanças, bebedeiras e serenatas, o trio conheceu um soldado do exército que dizia compor musiquinhas. Este soldado de pele retinta e um pouco baixo, mostrou seu repertório e imediatamente Noel, Mario Reis e Chico Viola ficaram fascinados. Foi um mês de farra e poesia. O nome deste jovem compositor era meio estranho, um tal de Lupicínio.
    (...)
    O fato é que a contribuição de Chico Viola para a cultura gaúcha, levando em conta este estímulo ao Lupicínio Rodrigues. já seria o suficiente para ter uma cadeira no céu. Tudo indica que esta cadeira realmente existe e que tem uma réplica pendurada na parede do Restaurante Gambrinus do Mercado Público. Trata-se da mesma cadeira que ele sentava no Treviso. A doação foi feita pelo criador do Treviso, Tércio Kerber, para o Antonio, lendário criador do Restaurante Gambrinus. Quando minha filha era pequena, eu mostrava a ela a cadeira e contava esta história, porém nunca me dei conta, tanto quanto agora, da importãncia de uma cadeira suspensa. É como se a morte fosse vencida durante toda a eternidade em que se olha o tempo suspenso na parede."
    Bjocas da Viuvinha Negra

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  2. Menina... como sempre a culta Jacqueline Viúva Negra. Notei que sumiu a tua foto, mas era uma aranha assustadora mesmo, preferia uma tua. Cultura e bom-gosto aí é mal de família, então? Não me surpreende, depois de tantas... Entregue um forte abraço ao seu tio Gaspar.
    Vou puxar para cima o texto do seu Júlio Conte, Jacque, é o mínimo, ao tempo em que te agradeço de coração.
    Besos.
    Salito.

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