domingo, 22 de julio de 2012

Carta Aberta ao Ministério Público

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Prezados senhores, senhoras, ilustres defensoras/es do Povo

Como dizia o comediante, acho que o Agildo Ribeiro, perguntar não ofende.

Pois.

Ontem à noite, um pouco, depois pela madrugada outro pouco, resolvi ligar a televisão, a aberta, que é o passatempo da esmagadora maioria da população brasileira, para ver a quantas andamos. A fechada é muito cara, o nome já diz, é destinada aos iluminados, mas também uma porcaria. E o preço... bah.

Nada contra, mas é raro mesmo eu ligar essa droga, fechada ou aberta, salvo eventualmente para ver algum joguinho de futebol, se for decisivo, mesmo odiando a bandalheira da construção de estádios em vez de escolas e hospitais. Decisão é decisão, bah, Grêmio x Hamburgo, Inter x Barcelona, tremores, já fui e ainda sou menino. Mesmo assim, todo o cuidado é pouco: há que se desligar o som, sob pena de se ter que ouvir berros de Vai que é tua, Robinho querido, algo assim. 

Antes, na Cultura, sempre assistia ao noticiário do âncora Barbeiro, mas ele sumiu. A Educativa de Porto Alegre ainda assisto vez que outra, mas a falta de verbas é um grito de pavor na cara da gente.

Bem, lá fui eu ver a quantas. Em três canais, vi um profeta enviado por Jesus Cristo, quando não pelo próprio Deus - até hoje não entendi bem a diferença -, para ajudar a nosotros, os coitados da Terra. O mesmo prodigioso profeta em três canais, simultaneamente, num universo de oito canais. Em outro canal mais um profeta, em outro mais outro, no outro um tal de JR...

Pela madrugada em todos os canais, exceto na Globo, que passava... desenho animado norte-americano, às 4 da manhã. Certo, os filhos desses caras talvez durmam de dia e assistam desenhos na hora dos boêmios chegarem em casa. Mas no Brasil nem todos têm pai rico de herança sabe-se lá, nem a pobreza os transforma em irresponsáveis. O pessoal trabalha para sustentar certa malta; criança dorme cedo, há uma escola pública maravilhosa que a aguarda às 7:30, com felizes professores, precisa pegar o ônibus às 6. Não tem motorista particular, não, para levar o futuro predadorzinho à praia.

Quatro da matina, seus vândalos, é hora de se colocar aquele suspense, A Volta dos que não foram. Ou La Dolce Vita para ser vista ou revisitada, já que às 21 h não podem, é hora do entulho.

Mania de quase mudar de assunto.

Na tela azulada, o sujeito dos três canais chorava de dar dó, emocionadíssimo, chamando a si mesmo, humildemente, de profeta, ligação espiritual direta com Jesus, sugerindo claramente ser seu herdeiro, prometendo salvar as pessoas de doenças, pragas e infortúnios.

Jack Nicholson é fichinha perto do seu desempenho. 

Corri a vomitar. Ajoelhado diante do vaso do apartamento: como pude, meu Deus, ter uma ideia dessas, de ligar a coisa. Uma hora depois respirei fundo, fui ao youtube e peguei um vídeo, o primeiro que apareceu, para ilustrar estas palavras:



Peço perdão por ter embrulhado o estômago do leitor, a mim também doeu e dói, mas é preciso.

Recordei que em 22 de agosto de 2011 publiquei um quase libelo aqui neste espaço, chamado O ateu, o "profeta" e a TV brasileira.

É só clicar no título e cai lá. Mas concluí assim:

Resta-nos somente o Ministério Público, pois o Executivo, preso a acertos políticos e aos votos do povão, está de mãos amarradas. Se nada pode ser feito para impedir o estelionato dos simples, em ambiente particular que cada um escolheu, será que ao menos não se pode evitar a invasão dos lares, verdadeiro estupro de mentes, de um mau-gosto exorbitante, via concessões de tevês do Brasil? Vejam aí, pessoal, não haveria um jeito de se pedir em juízo o cancelamento das concessões, pelo desvirtuamento do objetivo?

A inconformidade não diz respeito ao nobre pastor, digníssimo profeta, salvador de vidas, que não passa de um estelionatário de marca maior, vez que supostamente está protegido pela Constituição, do que duvido. Igualzinho aos dedos de anéis, que homens não são, que lhe sublocam ativos que pertencem ao povo.

O que lá se quis dizer foi o seguinte, repito: através de injunções políticas, do Ademar de Barros daquele cofre, ou do papai da ditadura, enfim, do passado, leia-se a lei do cão, ou das hienas, alguns notórios cidadãos nacionais são concessionários de rádios e televisões.

Aptos a explorar, eta palavrinha esta, o rico filão dentro das normas constitucionais. Diz a nossa Carta Magna:

Art. 221 - A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Bem, aí é o que se vê: Os "concessionários", que supõe-se tenham assinado com a União contratos com observância aos princípios constitucionais, pegam o objeto concedido e alugam a quem pagar mais.

Violando brutalmente o espírito da concessão, do ato e propósitos de requerer a concessão, da concessão como concebida em sua essência. Sujando, de modo irremediável, o espírito e a alma do legislador, assim, na carinha. E todo mundo quieto.

No caso, subalternamente, sendo cúmplices da terrível violação da laicidade do estado, o que, apesar da extrema violência, num primeiro momento sequer importaria.

E os dirigentes da OAB e outros bichos, gralhas que por qualquer coisinha saltam à frente dos refletores, não enxergam, não emitem um pio. Por quê? Está tudo certinho?

No caso que abordamos, são seitas populares, com a permissão do estado laico, permissão não apenas tácita, mas firmada em documentos de cartório. Num estado laico.

Se eu fosse um sujeito rico e gozador, um tantinho malvado, alugaria uma droga dessas TVs para sessões nacionais de ateísmo ou do santo daime, a Record não porque pertence a um estelionatário chefe de uma seita, mas outra me alugaria, antes teria de consultar a Dilma, "Alô, amiga, me ajude aqui, vou alugar a 'minha' tevê para um cara divulgar o ateísmo, cobrando a alma dos ateus, vai entrar uma grana firme...". A presidenta da república se indignaria, Oh, não, a Constituição não permite, o Brasil é um estado laico?

É laico, dona, eu não posso e ninguém pode. Os rituais de macumba podem ser lindos, amor e decência, como em geral são os de todas as crenças, mas a senhora, se de outra religião, gostaria que os nossos canais de televisão ficassem macumbando o dia todo os ouvidos dos seus netos, supondo-os pessoas sem posses materiais, isto é, forçadas a assistir a tevê aberta, com o seu dinheirinho suado? Não.

Aqui o assunto não é religião, é outro, todo mundo percebeu desde a primeira frase. É 171. Com imensurável prejuízo ao presente e, pior, ao futuro do Brasil. A ficarmos assim, abestalhando as pessoas, cairemos no que quer certa "nobreza" conservadora, que chegou a palácios de morumbis pela violência ao povo da escuridão, essa que insiste em mantê-lo no escuro, essa que propõe e aplica a ideia da preparação de dirigentes em escolas de elite.

Ousam citar Aristóteles nas suas justificativas. Pela citação de Aristóteles, que de fato defendia a preparação de elite de dirigentes, à época, temos uma idéia do seu atraso de 2.400 anos. Hoje, 2.400 anos depois, há gente que não sabe ler, lejos da matemática com que o stagirita e seus contemporâneos brincavam na areia da praia, riscando com varinhas a elevação impossível de 2 na 64. Culpa de quem?

Quem serão os dirigentes, que aprenderão Filosofia, quando esta era a mãe de todas as ciências -, esgrima, piano, guerra, dança, morte, flauta..., com os melhores cérebros do momento, desde crianças? Os meus filhos?

Os deles.

Não importa se os meus nascerem Piazzolla, Mozart e Maria Callas, vão apodrecer no escuro, trabalhando em condições de bichos para lhes levar comida e luxo.

Não estamos falando dos pastores eletrônicos, exploradores de miseráveis. A pedra não voa se alguém não atira, como dizia o samba.

Aqui miramos nos agentes do estado, com todas as pedras. Os profetas poderão ser pegos a qualquer hora, são restolhos. O estado não. O estado, em toda a sua monstruosa corporação, este precisa me responder.

O estado sou eu, são os meus vizinhos. Vocês são nossos funcionários, nós pagamos o seu sustento.

Tenho cinco perguntas, que poderão desencadear dezenas de outras a depender das respostas:

Primeira: O amiguinho do antigo "puder", seja a Band ou a Record ou qualquer outra, pode alugar a outrem a concessão que ganhou ou comprou de quem a recebeu sabe-se lá como? Podem subverter a obviedade da lógica, não explorar o que lhes foi "concedido", o contrato admite? A Constituição admite?

Segunda: Quem prevaricou ao elaborar e assinar contratos que permitem aos concessionários serem intermediários entre o estado e o profeta do custoso dinheirinho do povo, com um bem - a comunicação - que é público, propriedade do povo, isto é, de Todos?

Terceira: Há alguma providência administrativa ou judicial andando, no sentido de cassar as concessões, pelo escandaloso desvirtuamento do objeto, ao menos? Se há, a quantas anda, levará trinta anos?

Quarta: E as crianças e jovens e pessoas de todas as idades das demais religiões, exceto a da ignorância dos mais simples, como ficam, vendo a sua propriedade - do estado que sustentam - com essa utilidade?

A quinta está explícita lá em agosto de 2011 e nas palavras ali em cima: a programação das tevês, com faustões e cem por cento de filmes americanos rasteiros, a bandeira dos outros desfraldada no rosto da meninada a toda hora, atende aos princípios impostos pela nossa Carta aos nossos veículos de comunicação, na forma do artigo 221?

Nossos, insisto, nossos meios de nos comunicarmos, hoje ainda na mão de escroques, mas que em 1988 foram pensados por gente da estirpe de Ulisses Guimarães para unir e elevar em cultura a nossa nação-continente.

Tem uma sexta, singela e bruta, mas esta hoje não vai.

Embora estas palavras não pareçam vendaval, embora não demonstrem tanta fúria, escritas assim, em repente, creiam, senhores e senhoras defensores do povo:

É um libelo.

Chega.

Salito, em 22 de julho de 2012.














3 comentarios:

  1. Pois Salito

    Acho que conheces a opinião que eu faço da TV brasileira (ou seria americana, pois baseada nos moldes desta), aberta ou fechada, não passa de uma droga; é a mesma que tens.
    Como o amigo, eu também só assisto muito pouco: algum filme que valha a pena, um joguinho de futebol da nossa dupla aqui do sul, os noticiários para ver a quanto andamos e alguma ou outra coisa.
    Tens toda a razão, é um crime e uma safadeza o que fazem com uma concessão de serviço público, ora vendendo-a para outros, ora fazendo-a de barriga de aluguel para picaretas que andam matando cachorro a grito apresentarem os seus programetes de tele-marketing para faturar algum, sem contar os de religião (com perdão da má palavra), vendendo ilusões, mentiras e promessas vãs aos crentes, já que não tem estrutura para pssar programação própria. Uma vergonha o que acontece. Mas estamos no Brasil, onde vale tudo, onde se passa por cima das leis, na certeza da impunidade.
    Ao MP, na condição de fiscal das leis e da sociedade, caberia por um fim a esse decalabro todo que acontece na TV brasileira, mas acho que eles estão nem aí, vão se incomodar com o poder econômico e político para quê?!
    De toda maneira, aplaudo o teu libelo e junto-me a ele, torcendo para que chegue aos olhos do MP (se é que não se faz de cego ao que anda rolando na telinha), só para ver no que vai dar e no que vão fazer.

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  2. FAÇO TUAS PALAVRAS TAMBÉM MINHAS, ESTÁ CADA VEZ MAIS DIFICIL ASSISTIR TV, NO RIO, O ÚNICO CANAL QUE SE SALVA É O CANAL BRASIL (TVE) ACHO QUE A TV ESTÁ IGUAL A POLÍTICA BRASILEIRA , NÃO EXITE RESPEITO PELO CIDADÃO, AINDA BEM QUE NOS RESTA A LIBERDADE DE NÃO ACESSÁ-LA. SEM DÚVIDA A TV NO BRASIL NÃO CUMPRE COM OS OBJETIVOS QUE A NOSSA CARTA MAGNA PREVÊ...PARABÉNS PELAS CRITICAS SEMPRE BEM FUNDAMENTADAS.

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  3. Grande verdade...só o Ministério Público que não enxerga a safadeza que é a TV Brasileira.
    Parabéns pelo texto, ótimas fundamentações.

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