jueves, 19 de enero de 2012

O Irã, o estreito e a guerra

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Por Mauro Santayana

Uma guerra raramente é desencadeada por um só motivo. Quando o desentendimento entre duas, ou mais nações, se faz em torno de uma razão solteira, é mais fácil administrá-lo, mediante pacto de concessões diplomáticas recíprocas, ou ajuste de convivência, enquanto o tempo amadurece a questão para a solução definitiva – na maioria das vezes, pacífica. Quando os desentendimentos se multiplicam, os esforços devem ser maiores, e é raro que tragam a paz. O problema do Irã é um deles.

O país, em sua posição geográfica estratégica na Eurásia, teve a sorte e a desventura de possuir grandes reservas petrolíferas que passaram a ser, a partir da segunda metade do século 19, a matéria básica de todo o desenvolvimento econômico, do poder político decorrente, e da construção e manutenção dos grandes exércitos. Hoje, o Irã detém a terceira maior reserva mundial do óleo (137 bilhões de toneladas, 9,9% do planeta), com a produção de 4,245 milhões de barris diários, 5,2% da produção mundial, e é o quarto produtor do planeta, e o segundo da Opep, logo depois da Arábia Saudita. É o terceiro exportador mundial. O primeiro é a Arábia Saudita; e o segundo, a Rússia.

Com a ocupação do país pelos ingleses e soviéticos, em 1941 – a fim de impedir a aliança de Teerã com os nazistas – se iniciou o processo de entrega do petróleo aos interesses dos aliados ocidentais. Sob a forte influência de velho líder nacionalista, Mohamed Mossadegh – que se opunha tanto aos ingleses quanto aos soviéticos -, a exploração do petróleo, que era feita pela Anglo-Iranian (British Petroleum), foi nacionalizada em 1951. A reação inglesa foi a mesma que se anuncia hoje contra Ahmadinejad: o boicote ao óleo do país. Dois anos depois, em 1953, em complô promovido, organizado e dirigido pela CIA e pelos serviços britânicos, o primeiro-ministro foi deposto e condenado à prisão por “traição”. Cumprida a pena, permaneceu em detenção domiciliar até sua morte, em 1967.

O Irã se tornou, durante os 25 anos que se seguiram ao golpe da CIA, dócil servidor dos Estados Unidos e firme aliado de Israel. A ostentação do xá era um escárnio diante da miséria em que vivia a maior parte do povo. Em outubro de 1971, o soberano ofereceu uma festa de três dias em Persépolis. Era a comemoração dos 25 séculos da monarquia persa - de que seu pai e ele foram usurpadores. A mais rica festa do século, oferecida ao jet-set internacional, custou mais de 300 milhões de dólares de então (que seriam 3 bilhões em nossos dias). Entre outras extravagâncias, os 3 mil convidados consumiram uma tonelada de caviar. Em 1979, sob o comando do aiatolá Khomeini, exilado em Paris, uma revolução popular depôs definitivamente o xá, e o regime passou a ser dominado pelos islamitas.

A mobilização da guerra contra o Irã é também instigada pelo governo de Israel. Israel é o único país, na região, a dispor de armas atômicas em quantidade suficiente para destruir toda a infraestrutura dos vizinhos que o circundam e dizimar sua população. Ora, se o Irã vier a construir seu artefato nuclear, essa vantagem estratégica de Tel-Aviv se reduzirá consideravelmente. Daí o seu esforço em conseguir que os norte-americanos e europeus invadam o Irã e destruam o poder dos aiatolás.

As provocações contra Teerã se intensificam, com o assassinato de cientistas que trabalham em pesquisas nucleares. Tenham sido cometidos por agentes da CIA ou do Mossad, pouco importa: são atos terroristas, cometidos em território sob a soberania de outros povos, como foram o assassinato de Bin Laden e o de cidadãos norte-americanos no Iêmen, por ordem direta de Barack Obama.

Teerã insiste em seu direito de desenvolver pesquisas nucleares e diz que seu objetivo é pacífico. Ainda que o seu propósito fosse o de se defender contra o vizinho que já dispõe das armas atômicas, seria uma violência negar-lhe essa ação dissuasiva. Desde que os americanos explodiram a primeira bomba em Los Álamos, a corrida pela nova arma se iniciou - e não é provável que termine antes que a sua produção se universalize. Assim foi com a pólvora e os canhões, e nada indica que seja diferente no futuro. Enquanto houver o ânimo saqueador de alguns, a defesa será sempre legítima.

Em resposta às represálias econômicas, propostas pelos países europeus, apoiadas por Washington, entre elas o boicote ao petróleo do Irã, o governo de Teerã ameaça fechar o Estreito de Ormuz. A primeira consequência seria o encarecimento do petróleo. A medida reduziria drasticamente o abastecimento da Europa, do Japão e dos Estados Unidos com o óleo do Golfo. É improvável que outras nações não se mobilizem no apoio a Teerã. Aos russos não interessa, de nenhuma forma, o desequilíbrio estratégico em suas fronteiras. Aos chineses, que já começam a ter suas naves frequentando os mares, entre eles o Mediterrâneo, tampouco. É esse perigo que pode, talvez, adiar o conflito. Não convém aos Estados Unidos empenhar-se em uma guerra poucos meses antes de eleição presidencial. Tampouco interessa à China, nem à Rússia, comprometerem-se em um confronto que pode reacender o patriotismo norte-americano neste momento em que o país se encontra em declive. O melhor, enquanto isso for possível, é deixar a Águia serenar o seu voo e recolher as garras.


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