sábado, 5 de noviembre de 2011

Sob fogo cerrado, salvo por Luchita

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Hoje o perigo me roçou a pele. Saímos às seis da tarde, Kafil e eu, buscar alguém na Rodoviária de Porto Alegre, e pegamos uma tranqueira na entrada do túnel da Conceição.

Tratando-se de um sábado só podia ser algum acidente, o engarrafamento se estendeu, todo mundo preso, daí que nos preparamos para esperar os minutos necessários para a remoção do que quer que fosse.

Foi quando o jipe Cherokee ao lado disparou uma coisa que o condutor pensava ser música, aquilo que a moçada chama de sertanoja. O sujeito deveria ter as caixas de som do Gigante da Beira Rio dentro do carro. Na verdade a palavra sertanojo não define direito o negócio, pois não existe a primeira metade da palavra, resta apenas o nojo. Uma mistura de country chulé norte-americano com resquícios da tradição mexicana, uma gaita nordestina cortada a facão, mais os gritos de sofrimento dos escravos do Exoplaneta Gliese 581g quando são açoitados.

Meu Deus do céu, uma miscelânea de uivos e choros num volume de arrebentar os tímpanos dos viventes, nem os índios cherokees suportariam aquilo mesmo em campo aberto. Gritei para Kafil, eu de caroneiro e ele no volante: "Estamos fritos, deve ser um desses Xotãozinho e Xiriri!". Ele: "O quê?". Repeti gritando a plenos pulmões, ele ouviu e gritou de volta: "Não, acho que é Brum e Marrom! Ou João Bosco e Di Mateus! Sei lá, uma droga dessas". Realmente não consigo diferenciar um sertanojo do outro. Mas essa do João Bosco, será possível?, depois de tantos sambas inesquecíveis, mudar para isso... O que faz o dinheiro. Daqui a pouco arranja uma bíblia e passa a achacar os miseráveis pela televisão, como o pastor Senaqueribe, empurrando o Carnê do Lugar no Céu. Que vida.

Penso em falar com Adolfo Savchenko, ele gosta dessas atividades, para abrirmos um concurso para renomear esse, digamos, ajuntamento de vozes e sons. Aludir aos sertanejos não está certo, entendemos que é crime tentar confundir essa Coisa com belas toadas, modinhas, cateretês e emboladas. Taí, sem querer trazemos a primeira sugestão: Coisa. O morador da cidade de Barretos (SP), com um chapelão caracterísco dos colonos do Império, chega no buteco e berra pro dono: "Ei, meu, toca uma Coisa aí!". O cara corre e bota o disco de um desses.
 
Bem, para resumir a história: vontade era de dar um tiro no sujeito, mas gosto é gosto, a gente precisa respeitar. Eu não tinha em mãos um decibelímetro, mas juro que aquilo alcançava uns 180 decibéis. Como sabemos, após atingir 100 dB pode ocorrer trauma auditivo, acarretando a surdez. No nível de 120 dB soma-se lesão do nervo auditivo, provocando no mínimo zumbido constante nos ouvidos, tonturas, frenético nervosismo. Em 140 dB pode ocasionar a destruição total do tímpano (o tadinho explode). O tempo de exposição é fundamental, daí que se o sujeito apenas passar por aquele barulhão não dá nada, mas ficar ali um tempão... Kafil tem o seu tapa-ouvidos, e o colocou, antes tentou uns fiozinhos para música do rádio, mas não deu certo. Como não vi nenhum policial ou fiscal da prefeitura por perto, abri a porta do carro e saí, percorrendo de a pé o restante do caminho. Kafil ficou lá, tentando abafar a Coisa. Kafil queria descer e dar uns tapinhas no texano, mas não permiti, não podemos chamar a atenção.

Aquele sujeito bem que merece uns 15 anos de cadeia, por machucar os ouvidos dos outros, o perturbado mental não tinha o direito de tirar a paz de seus concidadãos, há limites previstos em lei, uns 50 ou 60 decibéis. É, 15 anos trancado, sendo obrigado a ouvir o tempo todo o Dark Funeral a mil, lhe cairia muito bem. Um pensamento terrível agora me assaltou. Alguém já pensou no dia em que o Dark se fundir com a Coisa? Pior, ambos com funk, inaugurando a DarKoisafunk! Eu me suicido.

Ufa. 
 
Na volta narramos o contratempo a Carlito Dulcemano. No seu portunhol com sotaque cubano nos diz para relaxar, me entrega um copo de uísque, depois vai lá e coloca um CD que trouxe em uma de suas viagens, da Luchita Reyes (Lucila Justina Sarcines Reyes, Lima, Peru, 19/71936 - 31/101973), La Morena de Oro del Peru, dizendo que a música é una famosa vals do Pedro Pacheco. Carlito diz mais: que ante a iminência de sua morte a valente morena visitou o compositor, "exigindo-lhe" que compusesse uma valsa de despedida. Pedro fez mais, além de Mi Última Canción, compôs também Así Lo Quieres Tú, que agora ouviremos.


¡Soy Lucha Reyes, señores, vuestra criolla servidora, con el Perú y con ustedes en mi cita de esta hora!
 
 

2 comentarios:

  1. Pombas, meu caro Salito, obviamenre que esse sertanojo é outro João Bosco, jamais o espetacular artista da MPB. Abraço, retorno quarta-feira.

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  2. Claro, amigo João, foi uma pequena brincadeira com o grande artista da MPB.

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