martes, 19 de octubre de 2010

Shakespeare: dos nossos!

Na coluna Vinho & Coisa e Tal, do JB de 17/10/2010, o sempre elegante Reinaldo Paes Barreto trouxe um tema interessante que pode ter passado despercebido aos candidatos à presidência e seus séquitos de puxadores. Jamais para João da Noite e companheiros aqui do AE. Para a turma da boemia a história não é nenhuma surpresa, posto que desde muitos séculos é repetida noite adentro pelos bares, tradição oral entremeada por muitos brindes, principalmente nas comemorações de 23 de abril.


Vale a pena reproduzir. Preste atenção, caro arcebispo ecuatoriano aí no bairro da Glória, nada de tempestade em São Sebastião: isso servirá para que o nobre onanista abstêmio pense melhor antes de promover achaques contra Salito. Lendo o que o seminário proibia, talvez um dia ainda se desfaça das vestes coloridas, compre um chapéu de homem e se transforme num festivo cidadão de palavra molhada.

"Como tantos gênios, Shakespeare era alegremente pinguço! Beer or not to beer?

Que Shakespeare foi o maior poeta e dramaturgo da Inglaterra e um desses homens-oceano que surgem de mil em mil anos para botar no papel e no palco “a dor de viver”, todo mundo sabe. Mas que era chegado a uma cervejota, nem todos sabem.

Mas era.

William Shakespeare faz 14 menções à palavra "Ale" e cita cinco vezes a palavra "beer" ao longo de sua obra (cerca de 40 peças). Isso nos leva a duas conclusões: uma é que no tempo de Shakespeare - ele viveu de 1564 a 1616 - a cerveja já era uma bebida muito popular; e, a outra, é que além de gênio, o bardo de Avon gostava de uma “loura”, ainda que vagamente morna.

E isso porque a adição do lúpulo à fórmula da cerveja -- produzida até então apenas pela mistura da água, malte e aromatizantes, como a camomila, o gengibre, o zimbro e o açafrão – introduzida pelos monges, nos anos 700, serviu não apenas para “puxar” o sabor para o amargo mas, e sobretudo, para evitar que ela se deteriorasse rapidamente.

Graças a essa longevidade, a bebida se disseminou pela Europa nos séculos seguintes, sobretudo pela Inglaterra, pela Irlanda, pela Alemanha, pela Holanda e pela Bélgica – até hoje matrizes de algumas cervejas de excelente qualidade.

Mas é a Inglaterra que nos importa neste texto.

Como se divertir em Stratford-Upon-Avon, no século 16, além do teatro e das peças ao ar livre? O vilarejo era um burgo remoto no noroeste da Inglaterra (170 km de Londres), imerso em cerração, chuva e frio, que desde o seculo 11 foi transformado oficialmente em cidade-mercado. Tanto que ainda hoje as ruas se chamam “Rua das ovelhas”, “Rua da madeira”, “Rua da Lã”, “Rua dos vegetais”, por aí.

Bebendo cerveja. De preferência “ales”.

Parênteses: o pai do poeta – John Shakespeare – que fabricava tintas, bolsas e luvas de couro, e as vendia num balcãozinho colado à parte da frente de sua casa, ganhou bom dinheiro e acabou elegendo-se vereador. Depois, em 1556, assumiu uma posição importante no município: tornou-se o provador de cerveja da cidade!

Sua função era assegurar que os pesos, medidas e preços fossem cumpridos corretamente. Ou seja: o DNA cervejeiro transitou de pai pra filho!

Mas mesmo bom de copo, foi graças a ele, John, que William Shakespeare se tornou um extraordinário poeta e o maior dramaturgo inglês, provávelmente do ocidente. Isso porque foi ele que “obrigou” o menino a frequentar a escola e ter aulas de gramática, – coisa rara para crianças não-nobres, naquele tempo.

Corre o tempo. Aos 18 anos, o jovem William se casou com Anne Hathaway, filha de um rico comerciante amigo de seu pai. Quando se casaram, ele tinha 18 anos e ela...25. Estava grávida de três mêses: c’est la vie!

Logo depois do casamento, Shakespeare partiu pra luta. Aprendeu latim e foi para Londres, onde em pouco tempo tornou-se razoavelmente conhecido. Lá, segundo registros de propriedades, compras de terras e investimentos, tornou-se um homem rico. Tanto que tornou-se sócio do Globe Theatre, um empreendimento teatral que reunia grandes autores e atores e tinha por sede um edifício de forma octogonal, com abertura no centro. Detalhe: todos os papéis eram representados pelos homens, sendo os mais jovens os encarregados de fazerem os “roles” femininos.

Próspero, fazia a “ponte aérea” Londres-Stratford e em 1597, comprou a segunda maior casa de Stratford, a New Place, atrás da primeira, onde nasceu. E lá, de 1601 a 1608, se dedicou a escrever Hamlet, Otelo e Macbeth, sua trilogia de ouro.

Mas em 1613 o Globe Theatre foi destruído pelo fogo e Shakespeare teria sofrido um baque e resolvido se desligar do Globe para voltar definitivamente a Stratford, onde a família o esperava.

Morreu três anos depois, aos 52, no mesmo dia em que nasceu – 23 de abril.

Causa-mortis: porre! Morreu de tanto beber.

Mas nenhum outro homem de teatro – antes ou depois – desceu tão fundo pelos corredores da alma humana, para depois perguntar: ser ou não ser?".



Taí. Dizem alguns que bebia em excesso por ser profundamente corno, mas isso é uma calúnia espalhada pelos políticos e arcebispos da época, por motivos que todos sabemos. Em relação aos pastores, some-se o fato de que julgavam o grande escriba um católico recusante. Façamos-lhe justiça, era ateu, mas naquele tempo isso era muito perigoso, imperava raivosa ignorância, até se falar em aborto e saúde pública era tabu, não como agora, 500 anos depois, onde não existe mais fanatismo religioso a serviço de aproveitadores, daí que o velho Shakes se fechava em copas nesses assuntinhos.

Obviamente que aqui não estamos fazendo apologia do suicídio etílico, esse lero de morte nos causa, digamos, algum enfado. Desagradável. Possivelmente deve ter ocorrido  de o ilustre dramaturgo,  num descuido de beber um dia sim e outro também,  ter exagerado um tantinho na quantidade, e é sabido que os apreciadores de cerveja logo aprendem a amar o vinho. Ah, o vinho, os paroquiais onanistas ao menos tem isso a seu favor, pena que para eles tornou-se uma faca de dois gumes quando Gregorio VII, o Gregorião das orgias, tomou aquele bruto fogo na cidade de Trento... mas não mudemos de assunto.
Exageros à parte, convenhamos que uma quota diária de meia-dúzia de chopinhos tirados no capricho, geladérrimos e com colarinho de dois dedos, aliada ao mesmo número de bolinhos de bacalhau feitos na hora, não leva ninguém para a comunidade celestial antes do tempo. Sim, um copito de tequila ou de trigo-velho gelado pode acompanhar, para garantir aquele calorzinho ardido na garganta. Estamos de acordo com a Divina Elizeth, que cantava os belos versos de Luís Antonio: "Eu bebo sim, estou vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo".


É verdade, quando se mandou para Londres ficou longe da mulher por 20 anos, porém isso é algo muito natural, para nós que pela tevê conhecemos madames de igual estirpe. Sobre as dezenas de mulheres que o amavam em madrugadas inesquecíveis os seus detratores se calam. Na realidade, a difamação tem a perfídia como substrato. A muitos era intolerável vê-lo pelos botequins, solitário na mesa 8 mirando o copo como se nada em volta existisse, entornando com firmeza preciosos líquidos, não raro sofrendo violentos repentes e acorrendo transfigurado ao seu bloco de anotações. Depois, exultante, olhos brilhando, gritar: "Mais uma na 8, portuga!". Os políticos e os padres, aflitos, mal dissimulando a malévola angústia, se perguntavam: o que será que lhe vai pela cabeça? Sim, noturnos irmãos, a inveja é coisa antiga.


Ao saber da calúnia dos senhores de boca seca e de vestido carmim, Shakes foi definitivo: "A suspeita sempre persegue a consciência culpada; o ladrão vê em cada sombra um policial".


Saúde, William!

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